quinta-feira, 26 de maio de 2016

HAROLDO DE CAMPOS (1929-2003)


 

Dois poemas das gatimanhas & felinuras

 
brancura
 
a gata chamada
 
tamborim (tam-
 
bi)
olhos amareloesverdeados
cara chim
gosta de telhados livres
e do calor do colo
 
com miados de cortesia
mandarim
nos cumprimenta toda manhã
solicitando modestíssima
que a recebamos
no interior azulejado
da cozinha
 
na primeira noite de cio
miou por um gato galante
e com seu galã cinzamalhado
enluarou o telhado
branquíssima de paixão
 
 
nênia para tamborim
 
tinha olhos
amarelos
miava mel
era selvagem –
messalina dos telhados –
mas tinha charme:
um gato cinza-macho
de olho azul
que miava Raul
tinha paixão por ela
 
gostava de pessoas
de preferência a outros
félices
(a aristogata lady bi
tinha ciúmes
dos seus olhos ambarinos
de gato – meretriz)
 
alvíssima
quase albina
com lugares rosa
limpava com esmero
a fuligem
que de andanças e atropelos
lhe ficava no pêlo
 
morreu
dama sem camélia
odete sem catléia
- a pobrezinha! – de
câncer na pele:
 
chorei (chorai) por ela
 
 
 
Haroldo de Campos.  Crisantempo: No espaço curvo nasce um.  SP: Perspectiva, 2004.
 
 


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