quarta-feira, 29 de junho de 2016

PABLO NERUDA (1901-1975) : QUATRO POEMAS DE AÚN

Neruda em Araucânia



VI
Perdão, se quando quero
contar minha vida
é terra o que conto.
Esta é a terra.
Cresce em teu sangue
e cresces.
Se se apaga em teu sangue
te apagas.

 

 

XV
 
Nós, os perecíveis, tocamos metais,
vento, margens do oceano, pedras,
sabendo que continuarão, imóveis ou ardentes,
 e eu fui descobrindo, nomeando todas as coisas:
foi meu destino amar e despedir-me.
 

 


XXV

Vai-se o hoje: uma cápsula
de fria luz que volta a seu recinto,
à sua mãe sombria, renascendo.
Deixo-o agora envolto em sua linhagem.
Dia, é verdade que participei na luz?
Tempo, sou parte de tua catarata?
Areias minhas, solidões!
 
Se é verdade que partimos,
fomos nos consumindo
em pleno sal marinho
e a golpes de relâmpago.
Minha razão tem vivido na intempérie,
entreguei ao mar meu coração calcário.
 
 



XXVI

Se há uma pedra destroçada
dela faço parte:
estive na ventania,
na onda,
no incêndio terrestre.
 
Respeita essa pedra perdida.
 
Se encontras num caminho
um menino
roubando maçãs
e um velho surdo
com um acordeon,
recorda que eu sou
o menino, as maçãs e o ancião.
Não me magoes perseguindo o menino,
não batas no velho vagabundo,
não atires ao rio as maçãs.
 

                            Tradução de Olga Savary

 
 
 
Pablo Neruda.  Ainda (Aún).  4 ed.  RJ: José Olympio, 1984.
 
 
 

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