terça-feira, 9 de agosto de 2016

AH, UM SONETO... DE YEATS (1865-1939)

William Butler Yeats


LEDA E O CISNE

 

Um baque surdo.  A asa enorme ainda se abate
Sobre a moça que treme.  Em suas coxas o peso
Da palma escura acariciante.  O bico preso
À nuca, contra o peito o peito se debate.
 
Como podem os pobres dedos sem vigor
Negar à glória e à pluma as coxas que se vão
Abrindo e como, entregue a tão branco furor,
Não sentir o pulsar do estranho coração?
 
Um frêmito nos rins haverá de engendrar
Os muros em ruína, a torre, o teto a arder
E Agamemnon, morrendo.
                                      Ela tão sem defesa,

Violentada pelo bruto sangue do ar,
Se impregnaria de tal força e tal saber
Antes que o bico inerte abandonasse a presa?

 

                                      Tradução de Augusto de Campos

 

                            

Leda (atribuída a F. Boucher)



 
 
 
LEDA AND THE SWAN
 
A sudden blow: the great wings beating still
Above the staggering girl, her thighs caressed
By the dark webs, her nape caught in his bill,
He holds her helpless breast upon his breast.
 
How can those terrified vague fingers push
The feathered glory from her loosening thighs?
And how can body, laid in that white rush,
But feel the strange heart beating where it lies?
 
A shudder in the loins engenders there
The broken wall, the burning roof and tower
And Agamemnon dead.
                    Being so caught up,
So mastered by the brute blood of the air,
Did she put on his knowledge with his power
Before the indifferent beak could let her drop?
  
Augusto de Campos. Poesia da recusa.  SP: Perspectiva, 2006.
 
 
Leda e o cisne (Gustav Klimt)





       Convém saber o mínimo aqui, para que depois se proceda infinitamente às leituras sucessivas do poema, enriquecendo-as ao máximo: Yeats refere-se ao mundo mitológico grego, a um dos célebres episódios em que Zeus faz incursões sexuais ao mundo dos mortais.  Lógico que há mais de uma versão do mito, mas vou tentar ser o mais sucinto possível.  A saber,  Leda era casada com Tindáreos, rei de Esparta.  Uma ocasião, Zeus usou do estratagema de se disfarçar em cisne, fingindo estar sendo perseguido por uma águia, para que Leda o protegesse.  A seguir, possuiu-a. Depois disso,  Leda teria posto quatro ovos (ou dois), dos quais teriam nascido Cástor, Pólux, Helena e Clitemnestra.  Fiquemos apenas com as figuras das duas mulheres (passo por cima de detalhes de versões diferentes para me ater ao mínimo que interessa de imediato no poema):  da prole assim concebida, Helena  teria sido a causadora da Guerra de Troia, em última análise da destruição da cidade pelos gregos;  Clitemnestra, casada com Agamêmnon (o supremo comandante dos gregos na guerra), mata-o quando de seu retorno da última batalha,com ajuda de seu amante Égistos.  No extraordinário poema de Yeats, os funestos acontecimentos futuros parecem prefigurados – nos dois tercetos! -  a partir da conjunção carnal do deus supremo com uma mortal. 
       O episódio recebeu inúmeras representações pictóricas, de Leonardo e Michelangelo a Dalí, passando ainda pelos mais diversos artistas contemporâneos  que continuam a tomá-lo como tema de suas obras.  Escolhi três dessas representações: uma, atribuída ao pintor rococó francês François Boucher, outra de autoria do simbolista-modernista austríaco Gustav Klimt, e a terceira  do pintor contemporâneo,  de Tenerife, Juan Pedro Ayala.  


Leda (Juan Pedro Ayala)

 

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