DO MANGUE
Esta lama que melíflua se move,
para na face se fazer parada,
ao longo se alonga e consolida
feito tapete preto na estrada.
Esta lama em bolo, irmã do
lodo,
um lobo outro: dum morder que é
um morder que deita e se
espalha
e se instala fora e dentro até.
Esta lama, de vínculos
capilares,
que se vai medrando aos metros,
crava estacas pelos poros, faz
cerca
farpada, e deixa buracos
descobertos.
Cimentou-se, sem pressa de
saída.
A lama, que escolta, julga e
reprime.
Manda ter pressa: prende os
pés;
fala de calma: azáfama imprime.
A lama, que expulsa peixe e orixá,
concha, areia, castelo e barco.
A lama, que toma os siris
meninos
e lhes comprime em caranguejo
casco.
A lama, que embaixo e em cima
prega lembretes de cisma e
medo.
Pescadores lavam peito e olhos,
e ela é carne no canto dos
dedos.
As plantas suspendem o caule
num lampejo de fuga formulado.
A lama promete lhes molhar os
pés,
mas os deixa à mostra,
esgretados.
Ela morada de bicho e homem
cerca,
sua rede vai da estrada ao mar.
Homem parou canoa: quer
explodir;
bicho nada semeia: teme
estilhaçar.
Ela, a lama, qui é quem manda.
Faz-se, do lá ao ali, única
vista.
Sua água soterra buraco – boca do
solo;
Sua terra afoga o ar. (Lama mista).
Lama, mãe, irmão, pai e totem,
de todos feita, a todos
lutulentos faz.
Clandestino o rio desvia, porém
(cercado de cerca e esgoto)
jaz.
Marcos
Pasche. Acostamento. Rio: Oficina
Raquel, 2008.
sentida, sentido, força, desespero, fura-futuro
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