segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

MARCOS PASCHE

DO MANGUE

Esta lama que melíflua se move,
para na face se fazer parada,
ao longo se alonga e consolida
feito tapete preto na estrada.

Esta lama em bolo, irmã do lodo,
um lobo outro: dum morder que é
um morder que deita e se espalha
e se instala fora e dentro até.

Esta lama, de vínculos capilares,
que se vai medrando aos metros,
crava estacas pelos poros, faz cerca
farpada, e deixa buracos descobertos.

Cimentou-se, sem pressa de saída.
A lama, que escolta, julga e reprime.
Manda ter pressa: prende os pés;
fala de calma: azáfama imprime.

A lama, que expulsa peixe e orixá,
concha, areia, castelo e barco.
A lama, que toma os siris meninos
e lhes comprime em caranguejo casco.

A lama, que embaixo e em cima
prega lembretes de cisma e medo.
Pescadores lavam peito e olhos,
e ela é carne no canto dos dedos.

As plantas suspendem o caule
num lampejo de fuga formulado.
A lama promete lhes molhar os pés,
mas os deixa à mostra, esgretados.

Ela morada de bicho e homem cerca,
sua rede vai da estrada ao mar.
Homem parou canoa: quer explodir;
bicho nada semeia: teme estilhaçar.

Ela, a lama, qui é quem manda.
Faz-se, do lá ao ali, única vista.
Sua água soterra buraco – boca do solo;
Sua terra afoga o ar.  (Lama mista).

Lama, mãe, irmão, pai e totem,
de todos feita, a todos lutulentos faz.
Clandestino o rio desvia, porém
(cercado de cerca e esgoto) jaz.

Marcos Pasche.  Acostamento.  Rio: Oficina Raquel, 2008.





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