Construí-los de água e sal
Dar-lhes movimentos de marés
Cores de oceano
E navegá-los
Cometer naufrágios
Dando-lhes mistérios
Construí-los com melodia de marulho
E silêncio abissal
Calcareamente brancos
Como coração de concha
Povoar de espécies
Plâncton, nécton, bentos
Construí-los reto horizonte
E deixar-los ir
Vela, vento
Asa
Linha, traço, rota
Solitude
2
Anoiteço
Sem estrelas, sem lua
Noite apenas
Navego
Escuro, só
Negras vagas
Até onde possa
Aportar
Manhã
3
Que saudade do trem
Trenzinho
Leopoldina
Caipira
Levava a gente
A Nictherói
Seis horas de viagem
Ansiedade e pó
Na partida
A despedida
Lenço branco de cambraia
De interior
Porto do Carro
Campo Redondo
Adeus ainda
Na nossa cabeça
Araruama
Sampaio Correia
Trilho
Fumaça
Na estação
Cidade grande
Olhos grandes
De espanto
Cabo Frio ficou
No convento
Na ponte
No anjo caído
4
Reside o vento em mim
Como nas palmeiras
Há muito faz
É dono do emaranhado do meu cabelo
Há muito faz
Nordeste, sudoeste
Nas velas do pensamento
Mas sou comandante desse barco
Não discernisse o rumo
Seria naufrágio
Donde reside o vento
Donde resido vento
Linha do sol, sextante, compasso
Traço a rota
Caço a vela
Miro a proa
Nessas águas de vento
5
Quando veio o vento
Eram noturnos e
Ébrios
Dançavam boleros
E quando vieram
Os peixes da chuva
Suas bocas morriam
Em inverno e verão
Tempo e frenesi
De libélulas
Até que veio a manhã
E fez deles
Uma rosa estiagem
De outono
Sera
lançado nesta terça-feira, dia 10 de abril, o livro de poemas de Edson Pereira
S., para o qual tive a honra de ser convidado a escrever a orelha de
apresentação, que posto a seguir:
“Mar
substantivo
A
escrita em marEmoto distingue-se de
saída pela sobriedade, pela inênfase da
voz poética: dicção elíptica, poucos
adjetivos que, quando presentes, é como se quisessem passar despercebidos: via
de regra, designam pouco mais que a cor
ou são apenas fantasmagoricamente visíveis em locuções adjetivas (“latitudes de
auroras/longitudes de poentes”), ou ainda “disfarçados” em advérbios, a qualidade rarefazendo-se em circunstância:
“naufragarei navio”. Quando brilham em inventividade são ótimos achados de
substantivos em função adjetiva, no que a antiga retórica cataloga como
enálages: “amor nave”/”cabelos Atlânticos”.
Porque o que prevalece aqui é a
concretude, são os nomes que,
frequentemente remetendo ao mar, designam o horizonte do todo, mais do que sua ambientação;
em especial na segunda parte do volume os verbos deixam claro a que vieram, respondendo pelo efetivo movimento designado no título por “moto”, imagem axial a comandar em boa medida os principais efeitos da leitura do
livro: veja-se, por exemplo, como a
ideia de estabilidade, de fundamento presente, num dos melhores poemas do livro, no correlato “residência”, assim se resolve no seu contrário : “Reside o vento em mim/Como
nas palmeiras/Há muito faz/(...) Donde reside o vento/Donde resido vento”. Observe-se
que não é “onde”, é “donde”, com uma implícita sugestão não da plácida ideia da
estabilidade do morar, mas de ser proveniente de algum lugar, ou seja, habitar
(n)a mudança, como a dizer que é tudo movente, de modo tal que os
próprios significados de águas e de vento entram na íntima relação de
aproximação amorosa, o que é uma das
pedras de toque de toda boa poesia: “Nessas águas de vento”. Em marEmoto
o horizonte é o movimento. Do mar à terra, daí às anotações da vida social na terceira
parte do volume, quando, nos últimos poemas,
o acidental parece atingir a própria dimensão gráfica dos textos.
Poética da concretude que parte do mar e dele e nele lança suas redes: Pancetti
e Caymmi sempre souberam da substantiva
inextricabilidade de mar e movimento.”
Amigo de longa data que sou do autor, deixo que ele
mesmo se apresente, tal como está em marEmoto:
Edson Pereira
da Silva assina aqui Edson Pereira S. para não incomodar soletrando tanto
alemão da primeira versão (ou seria judeu, digo, novo cristão?). Nascido em
Cabo Frio, onde foi criado, sua terra virou quimera (em todos os maus
sentidos). Hoje exilado em Niterói, está longe um oceano donde viveu sete anos
e lhe trouxe de volta um avião, embora a alma ainda nade em indecisas águas. E
a poesia? Como diria Mário de Andrade:
Todo escritor acredita na valia do que escreve
Si mostra é por vaidade
Si não mostra
É por vaidade também.
Resolvida, então, esta questão (?). Quanto às musas,
estão todas implícitas, quanto às crenças, estão todas explícitas e não se fala
mais nisso. Não tem celular, navega mal na internet (tantos naufrágios...), mas
tem e-mail para correspondência (gbmedson@vm.uff.br)
embora seja preciso um pouco de paciência, se a pessoa desejar, realmente, uma
resposta. Todos os poemas daqui são antigos, como já está ficando ele mesmo.
"Construí-los com melodia de marulho
ResponderExcluirE silêncio abissal"
Amei
Que bom, Thallyta! é de fato um achado de opostos muito rico.
ResponderExcluirUm beijo