não, eu não vi ainda o filme de Nelson Pereira dos Santos sobre Tom Jobim
certamente o verei. se eu tivesse 20 e poucos anos já o teria visto
porque não me desculparia que ele estivesse em cartaz há alguns dias
e eu ignorante dele.
(é bom nos desfazermos das urgências que não o são.
mas me recuso a falar como um velho).
25 de janeiro: aniversário de Tom Jobim, que era de 1927
é tanta informação e informação acumulada , além de falsa informação, de des-
-informação, que me sinto obrigado a anotar uma que é fundamental
pro que eu pretendo rabiscar aqui
– reeditando a tentativa canhestra de imitar a prosa de Augusto de Campos –:
não sei se todos sabem
sei que muitos dos que me lêem são muito novos
mas saibam com urgência que
Tom Jobim, Vinícius de Moraes e João Gilberto são a bossa nova.
informação fundamental
19 de janeiro: Nara Leão teria feito 70 anos
a mais charmosa e inteligente cantora brasileira, musa da bossa nova
que se lançou gravando de cara os caras que nada tinham a ver com a bossa nova
– sambas da tradição carioca pré-bossanovística
e que depois veio abrindo as portas para a geração dos que estão aí comemorando ou prestes a comemorar 70 anos:
a turma do imediato pós-bossa nova
é motivo de orgulho pra qualquer um ser um compositor lançado por Nara Leão
ou mesmo se não for o caso, fazer 70 anos este ano, assim como
Paulinho da Viola, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Milton Nascimento, Jorge Ben
porque na esteira da bossa nova
porque na esteira do que havia antes da bossa nova
porque na esteira do que havia ao mesmo tempo que a bossa nova
eles ensinaram a cantar quem quis aprender a cantar
o que de melhor se pode cantar para compor e compôs o nosso habitat
– dados os sons que freqüentamos desde que nascemos
e quando eu digo sons eu falo das madeiras
cordas couros metais teclas peles ossos carnes
marfins vogais consoantes hiatos ditongos tritongos
sílabas barbarismos solecismos acertos
todos os muitos acertos incluídos aí os erros
eles nos ensinaram o que é ecologicamente correto
porque com eles não tem conversa mole
claro que é preciso juntar aos setentões
o caçula da turma, Chico, de 1944 – e isso pra ficar só nos 6 grandes
firmados pra valer na década de 70
(quem não acredita ou não conhece que vá conferir – hoje é fácil – os discos
que esses 6 aí fizeram nos anos 70)
mas pra ficar só no mainstream é preciso ainda juntar Edu Lobo, que é de 43
e pra ser verdadeiramente abrangente e pleno de gozo
eu junto a todos a respeitável turma de 1937:
Baden, Menescal, Elomar e Tom Zé – e só a rica diversidade da turma de 37
já fala da força desses todos que andam aí na casa dos 70
e junto ainda os um pouquinho
mais velhos Sérgio Ricardo e Vandré e os um pouquinho
menos velhos
Carlos Lyra
Francis Hime
Martinho da Vila
Jorge Mautner
Roberto & Erasmo (e ainda Tim Maia, que em setembro próximo também se tornaria setentão)
e outros que em breve serão setentões também:
Dori
Marcos Valle
Macalé
– Sidney Miller, que não será, por ter ido cedo demais (ele também lançado por Nara) –
acrescento o canto de Nana, Elis, Gal e Bethânia
mais os poetas Torquato, Capinam e Waly Salomão
pronto: desenhei o que tanto para mim significa
ter aprendido para sempre com o dístico de Paulinho da Viola
“AS COISAS ESTÃO NO MUNDO/
SÓ QUE EU PRECISO APRENDER”
(para mim a frase síntese, projeto geracional)
a frase síntese do projeto geracional:
ela é o fecho da canção que recusa
todo aprendizado cediço, toda visão preconcebida do mundo
- e isso dentro do samba, quer dizer, dentro
de um ambiente propício à proliferação de estereótipos
mas Paulinho porta ainda
a bandeira: ecolongínquo da primeira bossa nova:
CHEGA DE SAUDADE
e este é o ponto dos que até hoje são os melhores dentre eles
(sim, porque muitos se perderam no caminho – cada ouvinte sabe de si
tem aí entre eles alguns que eu não suporto ouvir há muito tempo)
mas este é o ponto, o ponto é este:
aprender as coisas do mundo para não se render à saudade
à auto-compaixão, à auto-comiseração.
quando aflora a saudade nas suas canções
– repito: falo dos melhores dentre eles –
é de um ponto distanciado, é um olhar que fala na verdade de uma
meta-saudade
é comentário
não é queixume.
Waly sempre atento
sabia bem o que dizer quando dizia:
Saudade é uma palavra
Da língua portuguesa
A cujo enxurro
Sou sempre avesso
SAUDADE é uma palavra
A ser banida
(...)
Pra não depositar
Aluvião
Aqui
Nesta ribeira.
essas canções elas mesmas brilham seu metal
inoxidável imunes à ferrugem ao enxurro
de tudo o que as cerca – agora também dos velhos fãs
que pensam ser legítimo sentir saudade
– “que estamos todos velhos”
e eu queria ter 70 anos como eles para não ser nem um pouco velho
ou sê-lo apenas fisicamente
e não repetir o triste espetáculo que era comum ver
nos anos 60, 70, de quando se trazia à cena um dos grandes
dos anos 30 ou 40 e a regra era chorar
lamentar o tempo que se foi
o mundo que tanto mudara
a juventude que se extraviara
nada parecido com isso faz a dignidade desses grandes
nem mesmo a saudade inerte e inerme da garotada
de novo permeável à choramingação de sempre
que não parece à altura do metal de suas melhores canções
(Waly também: “Súbito/a reprimida resplandece/Re-nova cobra rompe o ovo/Da casca velha”)
o que eu faço com os que acabaram não sendo tão grandes como pareciam?
eu ouço o que eles fizeram quando eram grandes
um ouvir sem nenhuma saudade
um ouvir que procura estar à altura dos everests kilimanjaros aconcáguas atingidos
para não lamentar o hoje talvez amiudado
mesquinho
acanhado
que é melhor mesmo apenas silenciar
de volta, pra fechar: Nara, a musa da bossa nova
só veio a gravar bossa nova mesmo pra valer em 1971
- álbum duplo: Dez anos depois, estúdio, ambiência, design parisiense
(foi aí que pela primeira vez eu me detive e fui descobrir a bossa nova pra valer)
Nara exemplifica o gesto dos setentões de, como queria Eliot,
inventar com suas intervenções não apenas o passado
como seus antepassados:
assim
a bossa nova (que é Tom, João e Vinícius, lembram?) é também uma invenção posterior de Nara
Paulinho da Viola inventou Cartola, Wilson, Nelson, a Velha Guarda da Portela
e tantos outros mais
Caetano também inventou João e o anti-João, além de Carmen, Orlando, Roberto
Gil tirou da gruta da Mangabeira Jackson e Gonzagão, Gordurinha e Batatinha
Chico inventou Tom – com auxílio de Edu – e mais Noel e Ismael e
assim sucessivamente todos inventaram
- invenção e intervenção
(além de Elomar, inventado por vários deles e que os inventou de volta)
é certo que depois dos setentões vieram os que já estão quase lá
mas entre uns e outros há uma distância que eu não sei precisar
(já que sou eu que estou inventando aqui o meu recorte)
mas que já são outra história: Gonzaguinha, Ivan, Melodia, Djavan, João Bosco, Guinga, Aldir, Sérgio Sampaio, Moraes Moreira, Raul, Lô, Fagner, Alceu...
mas nem de longe quero cobrir com o verniz do ideal
ou com as lantejoulas da louvaminhice a existência tão real que quase inacreditável
dessa turma
que por si só rompeu com todo esse desejo gagá (que acomete todo mundo, mesmo gente muito mais nova, mas não os jovens setentões), no primeiro dia de 1995, quando
reunidos em torno da celebração da arte e da memória de Jobim na praia de Copacabana
( a visão que remetesse à meta da perfeição só poderia mesmo ser desejada nunca atingida)
aquele ideal se desfez
e parece que um desentendimento doloroso, vindo do fundo histórico coletivo e individual do esplendor da luz e do horror do breu entre eles se instalou e talvez um outro país tenha que vir a ser inventado para que se conserte
– os desconfortáveis ante idealizações e saudades diremos:
Que ótimo!
não tenho 70 anos: não celebro nada em mim
e não tenho 20 anos nem tenho um cinema perto de mim. mas em quaisquer circunstâncias
se os tivesse ia correndo, tarefa urgente, ver o filme de Nelson sobre Tom Jobim e tentar aprender para sempre com mais vagar os detalhes dessa história que apenas se começa a contar.
isso se for interessante se interessar pelo mundo.