segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

CASSIANO RICARDO

O BANQUETE

            Em meu quarto, o silêncio
e a lâmpada que me divide em dois.
O meu quarto é mais pobre que o de Jó;
duas vezes eu e uma lâmpada só.

            No salão do vizinho,
que não me convidou, a mesa alva;
e os convivas bebendo um vinho triste.
Será sangue de Orfeu? Lacrima-cristi?

            Porém, se o vinho é triste,
há estrelas líquidas em copos altos
que cintilam, qual geométricos lírios,
erguidos no ar à hora dos delírios.

            Sinto-me bem, assim,
não convidado, pois não bebo estrela
nem sangue;  sou enteado da alegria.
A tristeza é o meu pão de cada dia.

            Seria eu, na festa,
um insulto aos demais, algo de cômico.
Uma pedra aos que têm, no ombro, uma asa.
Um carvão quando tudo, ali, é brasa.

            Sinto-me bem, porque
sou um cacto com folhas de silêncio.
Não troco por nenhum gole de vinho
este meu ser noturno e submarinho.

            Que só me cheguem, pois,
o terrincar das taças, o confuso
gorjeio das bacantes.  Só me agrada
beber – rosa num copo – a madrugada.

Ah, se soubessem, todos,
o bem que me fizeram, excluindo-me
do banquete – o mais lógico dos olvidos –
ergueriam um brinde aos excluídos.

In:  Cassiano Ricardo. Antologia poética, 1964.




2 comentários:

  1. Tem este, do "Martim Cererê", que acho tão tão bonito:

    PECADO ORIGINAL

    O dia nos espia... novamente.
    Mas, ó incrível morena de olhar verde,
    fecha os teus olhos pra fingir que é noite.
    E teremos a noite, duas, três vezes,
    quantas vezes fecharmos os olhos
    na quentura de um beijo. Porque a noite
    é uma pequena invenção de nós dois...
    Há um momento de treva em cada beijo
    e uma risada matinal depois,
    do dia, debruçado na janela,
    que nos espia, e quer saber de tudo
    o que se passa entre nós dois.
    Fecha os olhos de novo, e eu te darei
    a noite que ainda mora atrás do dia...

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  2. É lindo mesmo, Mariana. Tinha paswsado por ele batido, quando li o "Martim-Cererê".
    Engraçado que não se presta muita atenção a Cassiano, talvez por conta do passado integralista dele na juventude, e outras circunstâncias. Eu mesmo nunca prestei muita atenção, mas venho procurando lê-lo mais detidamente. Esse poema que postei eu sempre adorei, assim como uns 6 ou 7, que acho de primeiríssima. Vai daí que optei por esse quando li os elogios que Mário Fuastino fez ao poema - fiquei feliz pela coincidência, embora deteste certas coisas que ele (Mário) diz a respeito de poesia.
    Valeu, beijos
    do Bozzetti

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