quarta-feira, 2 de outubro de 2013

DARCY RIBEIRO, A FALTA QUE ELE FAZ

Darcy e Brizola

       Algumas quebras de protocolo eu vi e vivi:

  1. o lado risível da coisa:  quando o general figueiredo, o último dos gorilas no poder, dava declarações do tipo “prefiro cheiro de cavalo a cheiro de povo” e “se eu ganhasse salário mínimo dava um tiro no coco”, alguém chamou a atenção (não sei por que eu cismo que foi o Carpeaux, mas devo estar delirando)  para o fato de que as regras de decoro do discurso oficial dos governos militares tinham sido quebradas internamente, isto é, começou em boa hora, e pelos próprios generais-presidentes,  a dessacralização do que não tinha nada de sacro - fosse a grandiloquência ufanista herdada de Médici ou a “austeridade luterana” de Geisel.
  2. o lado quente: ao assumir o governo do Rio, tendo vencido as primeiras eleições diretas pós-ditadura, em 1982, Leonel Brizola proibiu a polícia (militar e civil) não apenas de dar blitzes indiscriminadas em comunidades pobres – nada de entrar em casa dos outros sem mandado judicial, por exemplo –  como proibiu que seus agentes se referissem aos suspeitos, aos presos e assassinados de sempre como  “elementos”.  Regulamentou a obrigatoriedade de a polícia referir-se a todos como cidadãos. O jargão da mídia, ainda que irônico e meio constrangido a princípio (e por princípio), acabou acatando.

 

O primeiro governo Brizola foi sobretudo estimulante, o que não quer dizer que não tenha sido permeado de equívocos: mas estimulou a discussão política como a minha geração não havia conhecido até então, a começar pelas discussões sempre na arena das alternativas de educação e cultura, além da mais do que candente e desde sempre urgente questão dos direitos humanos.  Fui seu eleitor, embora, para variar, sofrendo críticas e ironias diversas de muitos amigos mais chegados e muito queridos, os quais empolgados com a novidade que o PT representava naquele momento batiam na tecla: eu estaria em compasso passadista, preso às velhas lideranças populistas etc.  Provável que esses amigos estivessem certos em boa medida quanto ao cerne dos meus equívocos, mas não estou ainda – nunca estive – certo de que me equivocasse quanto ao cerne de suas convicções.  Enfim... a tirada brizolista de que o PT era “a UDN de tamancos” soava e ressoa. E eu adorava, além de levar muito a sério – mais do que deveria, vejo claro hoje – a idéia de que desde 64 o Brasil e em especial o Rio tinha uma dívida histórica com o engenheiro Leonel de Moura Brizola.  E para mim a dívida maior era, sempre fora,  com Darcy Ribeiro – seu vice e o homem forte da educação em seu governo.

Não pretendo idealizar o passado – e esta denegação certamente encaminhará que o farei, embora não seja muito certo que, como me acusou querida amiga dia desses, eu tenha virado irremediavelmente saudosista. Não idealizo o passado: o engenheiro, quer pelos  erros que tenha cometido, quer  por erros que o constituíam como entidade política  ou como se queira chamar –  acabou por não fazer  seu sucessor: a eleição seguinte foi vencida pelo nefasto Moreira Franco, que prometia para a classe média,  sempre no seu papel de acuada e alimentando o sonho das remoções e extermínios,  “acabar com a violência em seis meses”.  Com a entrada em cena do cara (aliás, ministro hoje no governo do PT)  todas as práticas policiais que Brizola havia abolido recrudesceram.  Quando voltou a ser governador, na eleição seguinte, Brizola acabou fazendo  um governo pífio: em parte porque teve que fazer alianças com o que havia de pior na política do estado – e o que há de ruim na política fluminense é um himalaia – outro tanto porque provavelmente já havia perdido a passada do compasso dos tempos.  Mas não vou fazer análise política aqui, que sequer tenho a menor competência para isso.

Toquei no nome de Darcy Ribeiro, e a vontade é parar por aqui.  Mas avanço, até porque o sentido último deste texto é falar dele.  Ainda que apenas num flash final.   Quero lembrar que numa paralisação dos professores no primeiro mandato de Brizola, a situação ficou tensa, desenhou-se um impasse sério.  Lembro de uma frase de meu pai – que foi professor até a compulsória: “Pelo menos a gente sabe que o Brizola não vai mandar a polícia bater em professor.”  Houve inúmeros embates entre o governo brizolista e os setores da educação,  e nem poderia ser diferente: basta lembrar do quanto de novidade ousada havia no projeto dos CIEPs, ainda que possamos aqui e ali apontar ou falar das contradições que surgiram no processo de sua – nunca efetivada pelo sucessor – implantação.   E o triste é constatar que um dos legados brizolistas – a radical mudança de protocolo na atuação policial – foi jogada no lixo (seu homem forte na PM, o Coronel Nazareth Cerqueira foi assassinado em circunstâncias para lá de suspeitas).   Pelo contrário, chegamos a um “democratização perversa”: a PM dá porrada indiscriminadamente.  Chegou a vez da porrada finalmente institucionalizada nos professores.

As redes sociais estão cheias por estes dias de fotografias aviltantes, testemunhando o tratamento que a “política de segurança” do estado do Rio (mas apenas?) dispensa aos profissionais da educação, a quebra de todo protocolo do respeito devido ao professor  pela cegueira boçal e estúpida em mais alto grau, mancha de barbárie no coração do Brasil.  Contra isso, resolvo postar essa foto aí de cima: como não ter saudade, melhor, por que disfarçar a saudade de um tempo em que o interlocutor para assuntos de educação era o Professor Darcy Ribeiro?

3 comentários:

  1. Bozzetti, lindo texto. Infelizmente votei no Brizola apenas no segundo mandato, no primeiro apenas acompanhei as eleições (mas minha mãe era Brizolista doente), e como vc, não achei que nesse segundo momento ele tenha feito um bom governo. Mesmo que e apesar de, ele continuasse a propor um governo que respeitasse os moradores da periferia, seja lá o que isso possa signficar. Ele lançou Darcy Ribeiro para Governador e o Estado não o quis. Minha mãe dizia que Darcy fez o favor de se candidatar. Dizia tb que antes dele não houve nenhum projeto para educação no Rio e eu digo que depois dele tb não. Bom ler vc. abraços.

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  2. Obrigado, querido Alexandre, pelas palavras carinhosas. Muito bom ser lido por você.
    Grande abraço do
    Roberto Bozzetti

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