domingo, 26 de janeiro de 2014

AH, UM SONETO... MAIS UM DE JORGE DE LIMA


A garupa da vaca era palustre e bela,
uma penugem havia em seu queixo formoso;
e na fronte lunada onde ardia uma estrela
pairava um pensamento em constante repouso. 

Esta a imagem da vaca, a mais pura e singela
que do fundo do sonho eu às vezes esposo
e confunde-se à noite à outra imagem daquela
que ama me amamentou e jaz no último pouso.

Escuto-lhe o mugido – era o meu acalanto,
e seu olhar tão doce inda sinto no meu
o seio e o ubre natais irrigam-me em seus veios.

Confundo-os nessa ganga informe que é meu canto:
semblante e leite, a vaca e a mulher que me deu
o leite e a suavidade a manar de dois seios.


(Poema XV do Canto I de “Invenção de Orfeu”.  In: Jorge de Lima.  Poesia completa, v. 2.  RJ: Nova Fronteira, 1980.)

 

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