quinta-feira, 14 de maio de 2015

DOIS POEMAS DE PAULA GLENADEL


SOBRE A LAMA, A CIDADE

 

O lirismo de algo
que se queira chamar
de natureza (musgo,
morros e matas),

a epopéia da favela,
cabrita ou palafita,
ora sobre mangue,
ora em pedra lisa,

a fábula do asfalto,
vitrine e ciclovia,
o drama do assalto
encenado todo dia,

se convocados aqui
aparecem/desaparecem
deixando um rastro
de lama.




FILHA

                   para Luísa

 
A menina que, em sustos,
vejo crescer depressa,
que nutro com meus nervos
e que descubro falar, e ser,

me veio de um imemorial
           naufrágio
em que perecemos eu e ele:
pequena pérola do pior.

Como o traço oblíquo de luz
riscado sobre uma tela
de nuvens branco-cinza,
figura, tornado agora visível,
 
o sutil equilíbrio instável
entre dois planos. 


Paula Glenadel. A vida espiralada. RJ: Caetés, 1999.


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