sábado, 30 de maio de 2015

LEILA MÍCCOLIS: DOIS POEMAS


PENA DE MORTE

 

Eram bastante bons
aqueles tempos de ódio,
em que planejávamos nossos assassinatos,
pelo simples prazer de nos vingarmos:
eu te via com os dedos na tomada,
tu me vias sufocada pelo gás.
Tempos em que sorrias ao atravessar a rua,
e eu achava graça em ser atropelada;
tempos em que queríamos fazer um filho
para espancarmos juntos,
nos dias de ócio;
em que eu te servia de escarradeira,
em vez de cozinheira e passadeira.
Depois veio o amor,
que é como um lenço em que se assoa,
ou mãe que chicoteia e nos perdoa.
Hoje afago-te as corcovas
e lustro-te as botas novas.


Ilustração de Talarico

 
CAMISA BRANCA
 
Seria talvez pelo que eu tivesse consentido
na noite que passava
ou pelo que eu queria,
sem saber como fazer.
seria talvez pelo que eu supunha
sem coragem de dizer-me,
pelo que eu negava,
com medo de enfrentar.
Seria pela inutilidade do que fazia,
pela imensa maioria
que me olhava hostil
como se olha os galos na rinha,
ou porque na véspera
eu tinha vestido
uma camisa branca
e bebido vinho ao invés da água
ou do café.
Seria talvez pelo desencontro
que pressenti ocorreria,
pela febre que me tomou por filha e amante,
ou seria talvez por simples acaso
que dei por mim
olhando a mosca no meu prato,
fria,
afogando-se na sopa.
 






In: Abertura poética: primeira antologia de novos poetas do Novo Rio de Janeiro. Org. Walmir Ayala e César de Araújo. RJ: C. S. Editora, 1975.

 


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