sábado, 2 de janeiro de 2016

DOIS POEMAS DE O VISIONÁRIO (1937), MURILO MENDES


A VAMP

 

A camisinha de rendas
Que usava
A irmã que morreu de amor.
Ligas misturadas
Antes da paixão
Com uma lata de talco
E um retrato de Nossa Senhora
Construído com borboletas.
Uma flauta no cabide
Fez a guerra do Paraguai
Quando não havia petróleo
- Pertenceu a meu avô –,
A dama chegou no tufão,
Vestida de dominó
Despe o dominó
Tem quatro braços
Traz a vertigem
Está com febre
Me pega o amor
Tem quatro braços
Não posso mais
Quatro sovacos
Aí vem a manhã
Clareia o quarto
Allegro aleluia
Allegro da Aurora
O sol ilumina
O mundo sem amor.


"Mulher sentada com ramo de flores", Ismael Nery, 1927



 

FIM E PRINCÍPIO

 

Espírito pavoroso do século,
Não te dedicaria pianos
Nem harmonias de sirenes
Se os demônios não quisessem.
Entretanto chora o mar,
Choram noivas, peixes, mães,
Desde o princípio do mundo;
Apitos de máquinas levarão
Desde o pólo ao equador
Até o final dos tempos
Lamentações de novilhas,
De cegos, órfãos e plantas.



 
Murilo Mendes. Poesia completa e prosa. Nova Aguilar, 1994.


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