ANJO BARROCO
Eu
vivo com meus fantasmas,
um deles
é sexual.
Sátiro,
persegue as moças
derruba-as
pelas esquinas,
levanta
saias de freiras
e
sorri com a visão
da
brancura imaculada
de
suas calcinhas claras.
O meu
fantasma é anêmico
e tem
peito enfisemático,
a sua
risada estronda
nos
corredores escuros
quando
surpreende a adúltera
em
decúbito ventral.
Fauno moderno,
o fantasma
galopa
em bicicletas.
Querendo,
vira selim
onde meninas
estrepam
o sexo
de flores brancas.
Meu fantasma
tem roupões
que ele
veste por cima
do
corpo peludo em pêlo.
Assim vestido,
ele vai
para a
porta dos colégios,
acena
com picolés
e
docinhos pras crianças
até
que, na outra esquina,
quando
o guarda se afasta
ele
exibe seus guardados:
duas
esferas que apóiam
a
envergadura do sexo.
Meu fantasma
esquadrinha
as fechaduras
antigas
por
onde ele pode ver,
com as
têmporas latejando,
o
tímido que dilacera
a
noiva em lua-de-mel.
Nos tabiques
dos hotéis
de terceira
e quarta classe
ele
cola seus ouvidos
e ouve
a cama rangendo,
ouve a
mulher docemente
trespassada.
Ouve ainda
o
macho que estertora
na
explosão do orgasmo.
Meu fantasma
vai à praia
mas prefere
estar na sombra
porque
o sol o dilui.
E na
sombra das barracas
com olho
em grande angular
olho-de-peixe
aberto
ele
grava nas retinas
um só
pelinho de púbis
que
escapa dos maiôs.
Nas piscinas,
seu mergulho
só esbarra,
por acaso,
em
coxas, seios e nádegas.
Anjo barroco,
o fantasma
entra no
confessionário
e
goza, ele e o padre,
com as
confissões da viúva.
Meu
fantasma não lê livros
porque
acha que em sexo
não
devem entrar palavras.
Prefere
correr o risco
de ser
preso em flagrante
comprando
baralhos sujos
em que
reis trepam rainhas
e as
damas de ouro e copas
se
empalam no ás de paus.
Alguém
precisa ver só
como meu
fantasma vibra
com os
seios, todos eles,
exceto,
claro, os murchos.
Peitos
de adolescentes
libertos
sob os vestidos
cujos
bicos, dois espinhos,
fazem
buracos simétricos
na
blusa. Os intumescidos,
das
mães que doam seu leite
sob
seus olhos mendigos.
Seios,
seios, seios, seios
até os
reproduzidos
na
séria revista médica.
Meu
fantasma tem um trauma:
nunca esmagou
uma pulga
nas
nádegas de uma amante
negra,
vestida apenas
de
longas meias de renda.
Ah,
meu fantasma, bolinas
até a
menina dos olhos.
Te exorcizo. Vade retro.
Neil de
Castro. Zona erógena. Rio: Edições Eros, 1981.
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O Anjo, escultura de Sun Yuan e Peng Yu |