domingo, 10 de abril de 2016

NEI LEANDRO DE CASTRO (1940)


ANJO BARROCO

 Eu vivo com meus fantasmas,
um deles é sexual.
Sátiro, persegue as moças
derruba-as pelas esquinas,
levanta saias de freiras
e sorri com a visão
da brancura imaculada
de suas calcinhas claras.
O meu fantasma é anêmico
e tem peito enfisemático,
a sua risada estronda
nos corredores escuros
quando surpreende a adúltera
em decúbito ventral.
Fauno moderno, o fantasma
galopa em bicicletas.
Querendo, vira selim
onde meninas estrepam
o sexo de flores brancas.
Meu fantasma tem roupões
que ele veste por cima
do corpo peludo em pêlo.
Assim vestido, ele vai
para a porta dos colégios,
acena com picolés
e docinhos pras crianças
até que, na outra esquina,
quando o guarda se afasta
ele exibe seus guardados:
duas esferas que apóiam
a envergadura do sexo.
Meu fantasma esquadrinha
as fechaduras antigas
por onde ele pode ver,
com as têmporas latejando,
o tímido que dilacera
a noiva em lua-de-mel.
Nos tabiques dos hotéis
de terceira e quarta classe
ele cola seus ouvidos
e ouve a cama rangendo,
ouve a mulher docemente
trespassada. Ouve ainda
o macho que estertora
na explosão do orgasmo.
Meu fantasma vai à praia
mas prefere estar na sombra
porque o sol o dilui.
E na sombra das barracas
com olho em grande angular
olho-de-peixe aberto
ele grava nas retinas
um só pelinho de púbis
que escapa dos maiôs.
Nas piscinas, seu mergulho
só esbarra, por acaso,
em coxas, seios e nádegas.
Anjo barroco, o fantasma
entra no confessionário
e goza, ele e o padre,
com as confissões da viúva.
Meu fantasma não lê livros
porque acha que em sexo
não devem entrar palavras.
Prefere correr o risco
de ser preso em flagrante
comprando baralhos sujos
em que reis trepam rainhas
e as damas de ouro e copas
se empalam no ás de paus.
Alguém precisa ver só
como meu fantasma vibra
com os seios, todos eles,
exceto, claro, os murchos.
Peitos de adolescentes
libertos sob os vestidos
cujos bicos, dois espinhos,
fazem buracos simétricos
na blusa.  Os intumescidos,
das mães que doam seu leite
sob seus olhos mendigos.
Seios, seios, seios, seios
até os reproduzidos
na séria revista médica.
Meu fantasma tem um trauma:
nunca esmagou uma pulga
nas nádegas de uma amante
negra, vestida apenas
de longas meias de renda. 
Ah, meu fantasma, bolinas
até a menina dos olhos.
Te exorcizo.  Vade retro.


Neil de Castro. Zona erógena.  Rio: Edições Eros, 1981.




 
O Anjo, escultura de Sun Yuan e Peng Yu

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