ANÔNIMO
Sou
linda; gostosa; quando no cinema você roça o ombro em mim aquece, escorre,já
não sei mais quem desejo, que me assa viva, comendo coalhada ou atenta ao buço
deles, que ternura inspira aquele gordo aqui, aquele outro ali, no cinema é
escuro e a tela não importa, só o lado, o quente lateral, o mínimo pavio. A portadora deste sabe onde me encontro até
de olhos fechados; falo pouco; encontre; esquina da Concentração com Difusão,
lado esquerdo de quem vem, jornal na mão, discreta.
NADA, ESTA ESPUMA
Por afrontamento do desejo
insisto na maldade de escrevermas não sei se a deusa sobe à superfície
ou apenas me castiga com seus uivos.
Da amurada deste barco
quero tanto os seios da sereia.
Mas poderei dizer-vos que elas
ousam? Ou vão, por injunções muito mais
sérias, lustrar pecados que jamais repousam?
SAMBA-CANÇÃO
Tantos poemas que perdi.
Tantos que ouvi, de graça,pelo telefone – taí,
eu fiz tudo pra você gostar,
fui mulher vulgar,
meia-bruxa, meia-fera,
risinho modernista
arranhado na garganta,
malandra, bicha,
bem viada, vândala,
talvez maquiavélica,
e um dia emburrei-me,
vali-me de mesuras
(era uma estratégia),
fiz comércio, avara,
embora um pouco burra,
porque inteligente me punha
logo rubra, ou ao contrário, cara
pálida que desconhece
o próprio cor-de-rosa,
e tantas fiz, talvez
querendo a glória, a outra
cena à luz de spots,
talvez apenas teu carinho,
mas tantas fiz, tantas fiz...
Ana
Cristina Cesar. A teus pés. SP: Brasiliense,
1982.
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