QUATRO
CANTOS DO RIO AOS 21 ANOS
Ainda não está totalmente claro, mas
acho que vou reativar este blog, cuja última postagem tinha sido feita no final de abril, com um poema em que homenageei
uma amiga querida, que havia nos deixado há poucos dias.
Caso
eu resolva de fato voltar à atividade blogueira, penso que terei de fazer
mudanças importantes quanto ao material postado (nenhum problema com qualidade,
nada disso, principalmente das produções alheias, das quais muito me orgulho) e
periodicidade. Mais exatamente: tem mais
a ver com as formas de postar. Os próximos
dias e as próximas postagens – ou sua ausência – definirão aos poucos esses
caminhos.
O
que me levou a este retomar, por ora provisório, foi o fato de eu ter mais uma
vez vasculhado meus arquivos, aquilo que durante muito tempo foi papel e que
aos poucos foi virando arquivo de computador, e daí vai que acabei topando com
o que era para ter sido meu primeiro livro editado, que nunca saiu, Pouca
vergonha, que seria lançado em 1982 ou 83, já nem sei bem. Já falei dele
aqui, acho até que mais de uma vez, bem como já postei poemas que o
integrariam, escritos quando eu tinha no geral 20 e poucos anos.
E
eis que me deparando de novo com esses textos, resolvi que cabe agora postar
quatro deles de 1977, que têm a cidade do Rio como presença – explícita ou
apenas sugerida. Enfim, sem querer me
estender mais, ei-los aí.
SÃO COSMIDAMIÃO
os
restos dos dias
escorrem
na pele
com
o suor do rosto
se
ganha suor
o
espírito come o pão
que
o diabo vende
RÉQUIEM
o dia amanheceu
enforcado num poste da avenida
e os proscritos
pedra pedra pedra
rindo
de sua figura
grotesca
balouçante
inerte
um sentimento
carniceiro pousou
a rodear o cadáver
os pequenos marginais
urbanos
pivetes
putas
gigolôs
assaltantes a mão armada
resolveram estender
seus horários
de trabalho
- a vida
clamava por uma solução
está lá. roxo.
não suave prenúncio
de auroras
mas asfixiado.
VALSA DE UMA CIDADE
viver no Rio
me deixou alguma beleza nas retinas
o ônibus célere
entre manhãs
despindo
árvores, pardais
a mais no carinho do
olhar
Praça Paris
memórias
e mesmo
futuras esperanças
- paisagem útil, inútil paisagem -
vês?
impulso assassino,
simples tique
de suicídio a nuca entre arestas
estas mãos que não
se decidem:
plena
oferta
ou
trêmula
recusa
esta vertigem de
becos celestes
um estertor
premonitório o corpo
destrinchado por 4
rodas
- sensação de aguardar perícia
contraponto entre
fera e medo
viver no Rio.
(“É
proibido o uso de aparelhos sonoros no interior deste veículo” - diz o aviso. No entanto a transmissão clandestina se faz
ouvir no rádio clandestino do poeta
Praça
Paris
ao sol da manhã
os mendigos
os pombos
a
mãe fala:
somos
todos irmãos
o
menino inventa:
a palavra fratrifagia
melhor desligar antes que o
trocador
descubra)