sábado, 29 de outubro de 2011

NO BREJO BRASIL

Teiús, calangos, camaleões – lagartos treinam nossos olhos, são  mais rápidos que a circulação do ar pelos caminhos internos do corpo. Não chega a susto, não chega a sobressalto já que suas proporções estão longe de serem gigantescas, mas a repentina percepção que temos deles  – e agora nesta passagem para o definitivamente verão é a hora deles– nos suspende súbito a respiração.  Se se fizer a experiência da observação diária – fundamental para os que os estudam – é fácil no caso dos teiús, já que tendem ao mesmo percurso assim que o sol principia a canicular.
Também no limiar do definitivamente verão chega a época dos gaviões.  O que para nossa percepção vale no chão para os lagartos vale no ar para essas belas aves.  Mas com um acréscimo: aqui nos condoemos.  Acostumados à doçura e beleza dos tiés, sanhaços, juritis, ao período final de sua cria dos filhotes, nem vemos quando são arrebatados pelas rapinas, que também não vemos quando do momento do ataque.  Que são belas, a profusão de imagens à disposição de todos nas TVs, na internet etc nos informa o suficiente.  Ou se às vezes as vemos pousadas.  Mas para entender o que se passou no vazio onde havia um passarinho, preenchido agora só de penas que parecem lentas flutuar em remoinho... é preciso acreditar nas aves de rapina.

As observações aí de cima, querendo manter um ar de certa anotação lírica, são feitas na franja, no árduo exercício de equilíbrio entre este brejo onde moro, e que já foi uma roça, e hoje é uma nesga, uma estreita faixa, uma “orilla” entre o inacabado de uma cultura agrária que na verdade nunca vingou no Brasil, e a coalescência da disforme modernidade brasileira, que a tudo sitia com sua profusão de detritos e que pelo menos não nos deixa esquecer que qualquer bucolismo é convenção.  Me lembro ainda mais uma vez de Tom Jobim, lamentando a má fama dos urubus e defendendo-os: “quando urubu começa a aparecer é um alerta pra se limpar melhor a área, eles indicam isso.” Nunca vi tanto urubu por aqui como tenho visto por esses dias. 
Bate um-grande-medo-quase-certeza de que daqui há pouco não haja mais lagartos, nem as aves que alimentem as rapinas, de que os exercícios da aguda percepção do olho se tornem obsoletos e a calma contemplação do belíssimo vôo dos urubus sinalize o verão definitivo e não apenas o definitivamente verão. Me lembro de Caetano: “Aqui tudo parece que é ainda construção e já é ruína.”

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