TRAPAÇAS DA MEMÓRIA SOBRE O CENTENÁRIO DE DRUMMOND
Eis que de início a dúvida me assaltou sibilina, insidiosa... será que já estaríamos em 2012 e ninguém me avisou? Corri ao reloginho do computador e não tive dúvidas... ainda estou, e portanto todos os que comigo compartilham o calendário gregoriano também, em outubro de 2011... Então, por que diabos estaria eu aqui postando coisas sobre o centenário de Drummond? Eu sempre soube que o poeta nascera em 1902, como Murilo Mendes, logo o centenário será no ano que vem... vou lá no “Pergunte ao João” (também conhecido como Google) e confirmo o que já sabia – a nossa dependência dessas informações de rede está ficando cada dia mais doentia.
Aí a dúvida de insidiosa passou a francamente alarmante e alarmista: como será comemorar em 2012 o centenário de quem nasceu em 1902? Mudou a matemática ou mudei eu? Enfim... pane total! Mas me intriguei com o acontecido e vi que toda a badalação atual em torno do aniversário de Drummond, mais que merecida, não deve estar por aí falando em centenário. Tem a ver com o fato de alguns de seus livros estarem sendo relançados pela Cosac-Naify e os direitos de sua obra terem sido comprados pela poderosa Companhia das Letras, segundo me informou bem informada amiga. O centenário inventei eu, por sugestão sabe-se lá de que demo...
Enfim, que viva Drummond, com 99, 100, 109, 110, quantos anos ele tiver: “Morreu para vocês, itabiranos ingratos, mas não no coração daqueles que o amam...” diria a reencarnação da múmia de Benedito Valadares! Enfim, o centenário de que me lembrei outro dia e que até linkei no Facebook foi o de outro grande, Nelson Cavaquinho. Vou aproveitar para remeter o leitor para a postagem que fiz em fevereiro de um dos seus mais pungentes sambas: http://robertobozzetti.blogspot.com/2011/02/nelson-cavaquinho-pode-sorrir.html
Perdão, leitores!
(Nota posterior à postagem original, aí embaixo).
Celebrando os cem anos de Drummond, a serem festejados neste 31 de outubro, resolvo re-postar um dos poemas do meu Firma irreconhecível, no qual, meio que num exercício de pastiche, me arrisquei a tentar trabalhar o octossílabo um tanto conversacional do poeta, métrica e ritmo que no meu entender mais se aproximam, em sua poesia, do andamento de sua prosa "conversada". O resultado fica aí, os leitores avaliem.
É certamente um poema que se quer mais afeto - e afeito - à poesia do que às estátuas, inclusive à dele.
A ESTÁTUA E OS ÓCULOS
Analfabeto não usa óculos
Careca não usa pente
Pra que que o banguela
Vai querer pasta de dente?
(quadra popular)
Os jornais falam sem alarde
que noite dessas, outra vez
defraudaram o velho gauche.
Coloquial, mas afinal
estátua, ainda que sem pose
e pedestal, não se conforma
condenado ao quieto no banco,
itamórfico, pétreo ante
a perpétua prisão do mar
às costas e os aposentados
do Posto Seis jogando damas.
Será que pode agora a mídia
fazê-lo de seu bom velhinho
finalmente Quintana avô
da Bruna? Detido que está
em fôrma, solidário às levas
de pingüins que traz o mar, ele,
velho urso vindo das geraes,
dispõe-se a retratos, no entanto
escassos se desoculado.
Ora, Drummond se emputeceu
e ele mesmo escondeu os aros
e as hastes da armação de bronze.
Será a terceira ou quarta vez
que desaparece a relíquia,
súbito patrimônio histórico.
Da primeira vez manhã cedo
alguém notou e trombeteou,
jornalistas deram alarme
muito embora os pombos à tarde
nem dessem pelo sucedido
sugerido pelo sardônico
ar titânico do poeta.
Mais uma vez a mídia em ohs!
pranteou a deseducação
endêmica e tão brasileira,
e nós, que ao longo desses anos
deveríamos ter fingido
melhor amar essa poesia
farmacéltica e farmacêutica.
Castelo que foi à penhora,
ao longo do século cético,
a estátua não declarou nada
mas de dentro dos versos duros
tão pouco dúcteis quanto doces
a forma impalpável de Carlos
solidária sorriu aos vândalos.
Claro, não disse nada, não
assim diretamente como
o insubordinado mental
incorrigível de Friburgo.
Achou que o roubo contumaz
rotinizaria as retinas
cansadas dos concidadãos
e lhe parece haver ainda
muito barulho por tão pouco.
O poder público promete
24 horas por dia
monitoração eletrônica
e se a promessa for cumprida
a estátua do gauche fará
ao vivo o tresloucado gesto.
(in: Firma irreconhecível. Oficina Raquel, 2009)
Oba , Bozz! Amanhã do Fio de Ariadne, vai publicar 24 poemas de Drummond, um a cada hora, como o resultado da tele sena :-)
ResponderExcluirAbraço
vim correndo via tag. mas que belo tropeço. beijo :*
ResponderExcluirLINDO,Primo!!! Você é um poeta e escritor maravilhoso.
ResponderExcluirJusta homenagem a Carlos Drummond!!!
Beijos
Márcia Hortência
Vanessa, que iniciativa simpática! vou divulgar. Cecilia, adorei a transformação paronomásica da trapaça em tropeço. Obrigado a todas pelo carinho.
ResponderExcluirBeijos