segunda-feira, 28 de julho de 2014

IVAN JUNQUEIRA


                                                                  ONDE ESTÃO?

 

                                Partimos cuando nacemos,
                                   andamos mientras vivimos,
                                   y llegamos
                                   al tiempo que fenecemos;
                                   así que cuando morimos
                                   descansamos.

                                Jorge Manrique, Coplas por la muerte de su padre, V

 

Onde estão os que partiram
desta vida, desvalidos?
Onde estão, se não ouvimos
deles sequer uma sílaba?
 
Onde o pai, a mãe, a ríspida
irmã que se contorcia
sob a névoa dos soníferos
e a gosma da nicotina?

Ou bem a outra, a quem víamos
trincar, crispada, os caninos,
banhada em sangue e saliva,
no espasmo agudo das fibras?

Onde o riso dos meninos
que entre as folhas se escondiam
como pássaros nos ninhos,
ermos de infâmia ou malícia?

Onde a lúbrica menina
cujas coxas se entreabriam
à gula dos que sabiam
tocar-lhe os veios mais íntimos?

Onde, enfim, toda a família
que se desfez qual farinha
por entre as mós antiqüíssimas
de algum oculto moinho?

Onde estão os que seguiram
seus inóspitos caminhos
ou sendas que, mais propícias,
desaguaram no vazio?
 
Onde os bens, a glória, a insígnia,
se tudo o que aqui se vive
reverte empós aos jazigos
e lá, sob o pó, esfria?
 
Poder, riqueza, honraria
são como areia dos rios:
retinem, fluem, cintilam,
e se esvaem, sem valia.

Nômades de ásperas trilhas,
andamos mientras vivimos,
até que a morte, em surdina,
nos deite as garras de harpia.

E tudo afinal se finda
sem cor, sem luz, sem martírio;
asi que cuando morimos,
de nós mesmos nos sentimos

tão distantes quanto as cinzas
de uma estrela que se extingue
na goela azul dos abismos.
E ninguém, nem Deus, nos lastima.

 

Ivan Junqueira.  Poemas reunidos.  RJ: Record, 1999.


Ivan Junqueira (1934-2014)

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