I.
Lá
quando em mim perder a humanidade
Mais
um daqueles, que não fazem falta,
Verbi-gratia
– o teólogo, o peralta,
Algum
duque, ou marquês, ou conde, ou frade:
Não
quero funeral comunidade,
Que
engrole sub-venites em voz alta;
Pingados
gatarrões, gente de malta,
Eu
também vos dispenso a caridade:
Mas
quando ferrugenta enxada idosa,
Sepulcro
me cavar em ermo outeiro,
Lavre-me
este epitáfio mão piedosa:
“Aqui
dorme Bocage, o putanheiro:
Passou vida folgada, e milagrosa:
Passou vida folgada, e milagrosa:
Comeu,
bebeu, fodeu sem ter dinheiro.”
In:
Os melhores autores da poesia portuguesa erótica e satírica do séc. XVIII. Seleção e organização de Antônio Péricles da Costa
e Isabel Maria da Costa. SP: Planeta,
1964.
II.
Já
Bocage não sou!... à cova escura
Meu
estro vai parar desfeito em vento...
Eu
aos céus ultrajei! O meu tormento
Leve
me torne sempre a terra dura.
Conheço
agora já quão vã figura
Em
prosa e verso fez meu louco intento.
Musa!
Tivera algum merecimento
Se
um raio da Razão seguisse pura!
Eu
me arrependo: a língua quase fria
Brade
em alto pregão à mocidade,
Que
atrás do som fantástico corria:
Outro
Aretino fui... A santidade
Manchei!
Oh, se me creste, gente ímpia,
Rasga
meus versos, crê na eternidade!
In: Bocage:
sonetos. Introdução, seleção e notas
de Vitorino Nemésio. Lisboa: Livraria
Clássica Editora, 1956.
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