quarta-feira, 7 de setembro de 2011

AH, UM SONETO... DE DAVID MOURÃO-FERREIRA

TEIA 

Se da baba o inseto faz a teia,
se com choro porém não sei prender-te,
se do céu, que era cinza, direi verde,
e da terra e das lágrimas, areia.

E da forma direi que foi ideia,
para que à noite o corpo não desperte.
Do perdido direi que não se perde
se ao menos nestes versos se encadeia.

Do cabelo, se louro, direi preto;
do amor que sofri direi soneto,
ante a luz tão corpórea que o invade...

Nas redes da ficção ficarás presa
e acordarás, mais tarde, na surpresa
de ser outra por toda a eternidade.

De Infinito pessoal, 1962.


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