quarta-feira, 14 de setembro de 2011

POETAS REAGEM CONTRA A BANALIZAÇÃO

          Os poetas mandaram ver!  Frederico Barbosa lançou pelo Facebook seu Manifesto Anti-M.E.R.D.A. (Mercado Editorial Reprodutor de Asneiras)https://www.facebook.com/messages/?action=read&tid=ZvsIxrLKCUUuQh51YzWlpQ#!/notes/frederico-barbosa/manifesto-anti-merda-mercado-editorial-reprodutor-de-asneiras/232999056752440 que  em seguida  Claudio Willer repercutiu e reforçou, pondo também a boca no trombone no texto “Da flipização à bienalização” http://claudiowiller.wordpress.com/2011/09/13/da-flipizacao-a-bienalizacao/.

        
         Concordo com o diagnóstico da situação descrita em ambos os textos, por isso dou curso a eles aqui.      Não se trata, claro, de ser contra a FLIP ou a Bienal do Livro ou outros eventos do gênero.  A questão é que eventos desse tipo acabam reféns da mídia, no pior sentido da expressão: numa mídia cada dia mais destituída de senso crítico, num jornalismo “cultural” indigente que apenas faz juntar os releases das editoras a tiradinhas de falsamente insolente humor juvenil, nessa falsa disputa entre mariscos impróprios para consumo,  o mar,  não do lucro mas da glorificação do lucro pelo lucro, faz a festa e leva a parte do leão.  Livros como sabonetes, entrevistas como kits de maquiagem, escritores  como “artistas da TV”, críticos vistos como se fossem  laranjas, suspeitos de estar a serviço de alguma indesejável inteligência.
         O insuspeito José Miguel Wisnik chamou a esse processo num texto recente de “Jô-soarização da cultura” (pode ser lido aqui: http://sergyovitro.blogspot.com/2011/07/antonio-e-joao-jose-miguel-wisnik.html).

          Remeto o leitor a seu texto, mas acho bom destacar nele o seguinte: “O ponto a que me refiro é a tentação de opor automaticamente performances capazes de entreter o público a performances tidas como excessivamente intelectualistas e acadêmicas. Em primeiro lugar, esse é um falso problema quando supõe que a atenção do público seja necessariamente oposta à reflexão. Não é isso que se vê de uma maneira geral. Em segundo lugar, a diferença entre entretenimento e crítica tem que ser afirmada contra a tendência, também existente, à conversão do mundo num talk-show generalizado — no limite extremo, numa espécie de compulsória jô-soarização da cultura.”


           Quando digo que Wisnik é insuspeito é justo porque em primeiro lugar se trata de um intelectual (palavra que soa estranhamente anacrônica hoje, não?) que circula com bastante desenvoltura por esses espaços (midiático e acadêmico)  que a estupidificação em curso timbra em ver como excludentes no mesmo  movimento em que timbra por fazer crer que não o sejam (desde que, “ao fim do processo”, a palma da vitória fique com o midiático).  Ou seja: Wisnik não teme o midiático.  Mas isso é só meia verdade: Wisnik não o  teme porque sua substância vem do “outro lado”, seu pensamento profundo e percuciente se alimentou e se alimenta do melhor leite da alta cultura.  Ao lado de Antonio Cicero, outro insuspeito (que aliás, não fez carreira no meio acadêmico), Wisnik tem produzido ao longo dos últimos anos muito da melhor reflexão sobre a cultura brasileira e sobre o patamar mundial dessas discussões  vistas desde o  Brasil.  O que vale também para Cícero, o excelente letrista de Lulu Santos e de Marina Lima e autor do que é para o meu gosto pessoal (“não precisa ninguém me acompanhar”)  o melhor livro de poemas da década até aqui, o excepcional A cidade e os livros, sem falar  das amplas e profundas reflexões de Finalidades sem fim.   E citei entre aspas e parêntesis ali em cima o Caetano Veloso de “Jeito de corpo” não à toa.  Matriz brasileira da melhor obra e reflexão sobre o embate alta cultura/mercado/mídia, o insuspeito sempre suspeito Caetano leva-nos muitas vezes à exasperação com sua perturbadora capacidade  de saber distinguir o joio do trigo e optar consciente e estrategicamente  muitas vezes pelo “lixo”  do joio.
                Queria só ajuntar essas observaçõezinhas mesmo descosidas em reforço ao estágio atual da discussão tal como ela se coloca nesses textos.  Queria apenas que os que aqui me leem, especialmente meus alunos e ex-alunos (ai, esse ofício de professor...) parassem para refletir um pouco sobre todo esse processo perverso que busca converter o mundo da inteligência num vasto painel de tolas celebridades, em que os livros não são mais discutidos pelo que eles trazem (se é que em algum momento no Brasil o foram), mas pelo que eles vendem, em que as referências vão sendo perdidas e vão se dissipando e se diluindo em contato com a maré tsunâmica da indiferença e da indiferenciação conceitual que nos varre.
                Está na hora, por fim, de dar mais atenção aos que antigamente Umberto Eco chamava de “apocalípticos”, opondo-os aos “integrados” (por mais que essas categorias tenham sido elas mesmas justamente problematizadas).  Um pouco de má-vontade (pra começar) contra a alarmante banalização pode ser reforçada nesse momento pela leitura estimulante – mesmo pelas discordâncias e incompreensões que venham a suscitar – dos que há muito não apenas esbravejam, mas estimulam as discordâncias (inclusive quanto à própria matéria literária e teórica),  de Alcir Pécora a Flora Süssekind, de Costa Lima a Silviano Santiago, para ficar apenas na prata da casa.   Com o recurso hoje muito franqueado a se fazer ouvir e ler, pode ser que o intelectual – no sentido que essa palavra tinha no século XIX, de intervenção na vida pública – possa redefinir o seu papel, para além da quase total invisibilidade atual que o acomete.


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