domingo, 30 de outubro de 2011

NO CENTENÁRIO DE DRUMMOND: agora com errata indispensável.


TRAPAÇAS DA MEMÓRIA SOBRE O CENTENÁRIO DE DRUMMOND

                Eis que de início a dúvida me assaltou sibilina, insidiosa... será que já estaríamos em 2012 e ninguém me avisou?  Corri ao reloginho do computador e não tive dúvidas... ainda estou, e portanto todos os que comigo compartilham o calendário gregoriano também,  em outubro de 2011... Então, por que diabos estaria eu aqui postando coisas sobre o centenário de Drummond? Eu sempre soube que o poeta nascera em 1902, como Murilo Mendes, logo o centenário será no ano que vem... vou lá no “Pergunte ao João” (também conhecido como Google) e confirmo o que já sabia – a nossa dependência dessas informações de rede está ficando cada dia mais doentia.
                Aí a dúvida de insidiosa passou a francamente alarmante e alarmista: como será comemorar em 2012 o centenário de quem nasceu em 1902?  Mudou a matemática ou mudei eu? Enfim... pane total!  Mas me intriguei com o acontecido e vi que toda a badalação atual em torno do aniversário de Drummond, mais que merecida, não deve estar por aí falando em centenário.  Tem a ver com o fato de alguns de seus livros estarem sendo relançados pela Cosac-Naify e os direitos de sua obra terem sido comprados pela poderosa Companhia das Letras, segundo me informou bem informada amiga. O centenário inventei eu, por sugestão sabe-se lá de que demo...
                Enfim, que viva Drummond, com 99, 100, 109, 110, quantos anos ele tiver: “Morreu para vocês, itabiranos ingratos, mas não no coração daqueles que o amam...” diria a reencarnação da múmia de Benedito Valadares!  Enfim, o centenário de que me lembrei outro dia e que até linkei no Facebook foi o de outro grande, Nelson Cavaquinho.  Vou aproveitar para remeter o leitor para a postagem que fiz em fevereiro de um dos seus mais pungentes sambas: http://robertobozzetti.blogspot.com/2011/02/nelson-cavaquinho-pode-sorrir.html
                Perdão, leitores!
(Nota posterior à postagem original, aí embaixo).

Celebrando os cem anos de Drummond, a serem festejados neste 31 de outubro, resolvo re-postar um dos poemas do meu Firma irreconhecível, no qual, meio que num exercício de pastiche,  me arrisquei a tentar trabalhar o octossílabo um tanto conversacional do poeta, métrica e ritmo que no meu entender mais se aproximam, em sua poesia, do andamento de sua prosa "conversada".  O resultado fica aí, os leitores avaliem. 
É certamente um poema que se quer mais afeto - e afeito - à poesia do que às estátuas, inclusive à dele.


A ESTÁTUA E OS ÓCULOS

Analfabeto não usa óculos
Careca não usa pente
Pra que que o banguela
Vai querer pasta de dente?
(quadra popular)

Os jornais falam sem alarde
que noite dessas, outra vez
defraudaram o velho gauche.
Coloquial, mas afinal
estátua, ainda que sem pose
e pedestal, não se conforma
condenado ao quieto no banco,
itamórfico, pétreo ante
a perpétua prisão do mar
às costas e os aposentados
do Posto Seis jogando damas.
Será que pode agora a mídia
fazê-lo de seu bom velhinho
finalmente Quintana avô
da Bruna? Detido que está
em fôrma, solidário às levas
de pingüins que traz o mar, ele,
velho urso vindo das geraes,
dispõe-se a retratos, no entanto
escassos se desoculado.
Ora, Drummond se emputeceu
e ele mesmo escondeu os aros
e as hastes da armação de bronze.
Será a terceira ou quarta vez
que desaparece a relíquia,
súbito patrimônio histórico.
Da primeira vez manhã cedo
alguém notou e trombeteou,
jornalistas deram alarme
muito embora os pombos à tarde
nem dessem pelo sucedido
sugerido pelo sardônico
ar titânico do poeta.
Mais uma vez a mídia em ohs!
pranteou a deseducação
endêmica e tão brasileira,
e nós, que ao longo desses anos
deveríamos ter fingido
melhor amar essa poesia
farmacéltica e farmacêutica.
Castelo que foi à penhora,
ao longo do século cético,
a estátua não declarou nada
mas de dentro dos versos duros
tão pouco dúcteis quanto doces
a forma impalpável de Carlos
solidária sorriu aos vândalos.
Claro, não disse nada, não
assim diretamente como
o insubordinado mental
incorrigível de Friburgo.
Achou que o roubo contumaz
rotinizaria as retinas
cansadas dos concidadãos
e lhe parece haver ainda
muito barulho por tão pouco.
O poder público promete
24 horas por dia
monitoração eletrônica
e se a promessa for cumprida
a estátua do gauche fará
ao vivo o tresloucado gesto.


                                                                      (in: Firma irreconhecível. Oficina Raquel, 2009)

sábado, 29 de outubro de 2011

NO BREJO BRASIL

Teiús, calangos, camaleões – lagartos treinam nossos olhos, são  mais rápidos que a circulação do ar pelos caminhos internos do corpo. Não chega a susto, não chega a sobressalto já que suas proporções estão longe de serem gigantescas, mas a repentina percepção que temos deles  – e agora nesta passagem para o definitivamente verão é a hora deles– nos suspende súbito a respiração.  Se se fizer a experiência da observação diária – fundamental para os que os estudam – é fácil no caso dos teiús, já que tendem ao mesmo percurso assim que o sol principia a canicular.
Também no limiar do definitivamente verão chega a época dos gaviões.  O que para nossa percepção vale no chão para os lagartos vale no ar para essas belas aves.  Mas com um acréscimo: aqui nos condoemos.  Acostumados à doçura e beleza dos tiés, sanhaços, juritis, ao período final de sua cria dos filhotes, nem vemos quando são arrebatados pelas rapinas, que também não vemos quando do momento do ataque.  Que são belas, a profusão de imagens à disposição de todos nas TVs, na internet etc nos informa o suficiente.  Ou se às vezes as vemos pousadas.  Mas para entender o que se passou no vazio onde havia um passarinho, preenchido agora só de penas que parecem lentas flutuar em remoinho... é preciso acreditar nas aves de rapina.

As observações aí de cima, querendo manter um ar de certa anotação lírica, são feitas na franja, no árduo exercício de equilíbrio entre este brejo onde moro, e que já foi uma roça, e hoje é uma nesga, uma estreita faixa, uma “orilla” entre o inacabado de uma cultura agrária que na verdade nunca vingou no Brasil, e a coalescência da disforme modernidade brasileira, que a tudo sitia com sua profusão de detritos e que pelo menos não nos deixa esquecer que qualquer bucolismo é convenção.  Me lembro ainda mais uma vez de Tom Jobim, lamentando a má fama dos urubus e defendendo-os: “quando urubu começa a aparecer é um alerta pra se limpar melhor a área, eles indicam isso.” Nunca vi tanto urubu por aqui como tenho visto por esses dias. 
Bate um-grande-medo-quase-certeza de que daqui há pouco não haja mais lagartos, nem as aves que alimentem as rapinas, de que os exercícios da aguda percepção do olho se tornem obsoletos e a calma contemplação do belíssimo vôo dos urubus sinalize o verão definitivo e não apenas o definitivamente verão. Me lembro de Caetano: “Aqui tudo parece que é ainda construção e já é ruína.”

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

AH, UM SONETO: DE SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN


AS TRÊS PARCAS

As três Parcas que tecem os errados
Caminhos onde a rir atraiçoamos
O puro tempo onde jamais chegamos,
As três Parcas conhecem os maus fados.

Por nós elas esperam nos trocados
Caminhos onde cegos nos trocamos
Por alguém que não somos nem amamos
Mas que presos nos leva e dominados.

E nunca mais o doce vento aéreo
Nos levará ao mundo desejado
E nunca mais o rosto do mistério

Será o nosso rosto conquistado
Nem nos darão os deuses o império
Que à nossa espera tinham inventado.

In: Mar novo, 1958.

domingo, 23 de outubro de 2011

EVARISTO CARRIEGO

A SURRA

Deixou de castigá-la, por fim cansado
de repetir a diária bandidagem.
e que logo contará, congratulado,
lá na roda insolente da malandragem.

- Como sempre, o motivo da punição
será, talvez, o mesmo que o levara
há pouco, a impor-se com um bofetão
que lhe deixou lembranças rubras pela cara -,

Depois saiu cuspindo, rude, insultante,
os termos mais torpes de um calão imundo
que como uma asquerosa náusea incessante
vomita a cloaca desse baixo mundo.

No armazém em frente cresce o vozerio,
porque está se discutindo o sucedido,
e, provando a todos, alguém concluiu
que esse direito tem só o marido...

Enquanto que a pobre espancada tenta
ocultar bem fundo sua vergonha íntima,
ouve, lá do seu quarto, que se comenta
a façanha, rindo-se da pobre vítima.

E se cura chorando suas lesões
- rastros da dor sobre seu corpo doente... -,
pois não lhe faltam as resignações
de animal agonizando sob rebenque!

Enquanto escuta, só e desesperada,
como gritam as outras... teimosas e toscas,
gozando sua vergonha de castigada,
deboches vis de suas bocas... tão porcas!...

(foto de Rodrigo Herraz, in:olhares.uol.com.br)



EL AMASIJO

Dejó de castigarla, por fin cansado
de repetir el diario brutal ultraje,
que habrá de contar luego, felicitado,
en la rueda insolente del compadraje.

-Hoy, como ayer, la causa del amasijo
es, acaso, la misma que le obligara
hace poco, a imponerse con un barbijo
que enrojeció un recuerdo sobre la cara-.

Y se alejó escupiendo, rudo, insultante,
los vocablos más torpes del caló hediondo
que como una asquerosa náusea incesante
vomita la cloaca del bajo fondo.

En el cafetín crece la algarabía,
pues se está discutiendo lo sucedido,
y, contestando a todos, alguien porfía
que ese derecho tiene sólo el marido...

Y en tanto que la pobre golpeada intenta
ocultar su sombría vergüenza huraña,
oye, desde su cuarto, que se comenta
como siempre en risueño coro la hazaña.

Y se cura llorando los moretones
-lacras de dolor sobre su cuerpo enclenque...-
¡que para eso tiene resignaciones
de animal que agoniza bajo el rebenque!

Mientras escucha sola, desesperada,
cómo gritan las otras... rudas y tercas,
gozando de su bochorno de castigada,
¡burlas tan de sus bocas!...¡burlas tan puercas!...

In: Poesia herege.  Org. e trad. Claudio Cruz e Liliana Reales. Ed. UFSC, 2010.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

ANTI-LADAINHA PARA EXORCISMO DE PRECONCEITOS ARRAIGADOS, PARA USO EM CONGRAÇAMENTOS CIRCUNSTANCIAIS DE FAMÍLIA

                                                                      “Nunca estão todos
                                                                       (...)
                                                                       E não há outros.”
                                                                             (Caetano Veloso)


Que bonito ele está!
                                           (ora por quem sois)      
                                                                                       Que bonita ela está!

            pena que
                                               seja fumante
            pena que
           dê a bunda
pena que não
            pena que
           beba demais
pena que
           não dê valor ao que tem
                                                              pena que dê
pena que
           tenha se misturado com quem não devia
pena que
           viva a vida como quem não deve
pena que
           não acredite em Deus
                                                         pena que sim
pena que
           tenha se convertido
pena que
                                   seja macumbeiro
pena que
           seja preto
pena que
           seja branco
pena que
           goste de mulher
pena que não
pena que
           malbarate a herança
pena que
           tenha se perdido
pena que
           use você sabe o quê
pena que
                                   more mal
pena que
                                   não faça nem um regimezinho
pena que
                                   não tenha moral
                                                                           pena que tenha
pena que
                                   seja ele
pena que
                                   seja ela


sexta-feira, 14 de outubro de 2011

AH, UM SONETO... DE AUGUSTO DE CAMPOS

SONETERAPIA

          "desta vez acabo a obra" (Gregório de Matos)


drummond perdeu a pedra: é drummundano
joão cabral entrou pra academia
custou mas descobriram que caetano
era o poeta (como eu já dizia)

o concretismo é frio e desumano
dizem todos (tirando uma fatia)
e enquanto nós entramos pelo cano
os humanos entregam a poesia

na geléia geral da nossa história
sousândrade kilkerry oswald vaiados
estão comendo as pedras da vitória

quem não se comunica dá a dica:
tó pra vocês chupins desmemoriados
só o incomunicável comunica







in: NAVILOUCA, 1975

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

GOTTFRIED BENN

TREM RÁPIDO
(1912)


Marrom de conhaque.  Marrom de folhagem.  Marrom avermelhado.
                                                                      [Amarelo malaio.
Trem rápido Berlim-Trelleborg e estâncias no mar Báltico.

Carne que ia nua:
Até a boca queimada do mar.
Maduramente mergulhada.  Para a felicidade grega.
Em saudade-crescente: quão longe está o verão!
Já é o penúltimo dia do nono mês!

Restolho e última amêndoa são nossos desejos.
Ostentações, o sangue, as fadigas.
A proximidade das dálias entorpece.

Marrom-de-homem atira-se em marrom-de-mulher:

Uma mulher é algo para a noite.
E se foi bom, ainda para a próxima!
Ah! e então de novo aquele estar-consigo-próprio!
Esses mutismos! Esse ser-levado!
Uma mulher é algo com cheiro.
Indizível! Agonize! Resedá.
Para lá é Sul, pastor e mar.
Em cada declive se encosta uma sorte.

Marrom-claro-de-mulher cambaleia em marrom-escuro-de-homem:

Pare-me! ei, estou caindo!
Sinto a nuca tão cansada.
Ah, este febril doce
último cheiro dos jardins.

"O abraço", Egon Schiele, 1917
D-ZUG

Braun wie Kognak.
Braun wie Laub. Rotbraun. Malaiengelb.
D-Zug Berlin - Trelleborg und die Ostseeb
äder.

Fleisch, das nackt ging.
Bis in den Mund gebräunt vom Meer.
Reif gesenkt. Zu griechischem Glück.
In Sichel-Sehnsucht: wie weit der Sommer ist!
Vorletzter Tag des neunten Monats schon!

Stoppel und letzte Mandel lechzt in uns.
Enthaltungen, das Blut, die Müdigkeiten,
Die Georginennähe macht uns wirr.

Männerbraun stürzt sich auf Frauenbraun:

Eine Frau ist etwas für eine Nacht.
Und wenn es schön war, noch für die nächste!
Und dann wieder dies Bei-sich-selbst-sein!
Diese Stummheiten. Dies Getriebenwerden!
Eine Frau ist etwas mit Geruch.
Unsäglisches. Stirb hin. Resede.
Darin ist Süden, Hirt und Meer.
An jedem Abhang lehnt ein Glück.

Frauenhellbraun taumelt an Männerdunkelbraun:

Halte mich! Du, ich falle!
Ich bin im Nacken so müde.
O dieser fiebernde süße
Letzte Geruch aus den Gärten.
in: Poesia expressionista alemã: uma antologia.  Org. e tradução de Claudia Cavalcanti. Estação Liberdade, 2000.

sábado, 8 de outubro de 2011

KONSTANTINOS KAVÁFIS

Anotação 22.
                Sei  que para vencer na vida e infundir respeito tem-se de ser sério.  Todavia, não só me é difícil afetar seriedade como não a tenho em alta conta.
                Vou explicar-me melhor.  Nas coisas sérias, agrada-me a seriedade por meia hora, ou mesmo, uma, duas, três horas por dia. 
                No restante, agradam-me os ditos espirituosos, os gracejos, a ironia e os embustes (humbugging) inteligentes.
                Mas não são convenientes.
                Perturbam os negócios.
                Pois as mais das vezes tenho de avir-me com pessoas ignorantes ou néscias.  Elas são sempre sérias.  Focinhos de uma seriedade bestial: como gracejar com elas se não compreendem coisa alguma? Seus focinhos sérios são o reflexo disso.  Tudo é problema e dificuldade para a sua ignorância e bestialidade porque, como nos bois e nos carneiros ( os animais têm fisionomias tão sérias!), a seriedade se difunde pelos seus traços fisionômicos.
                O homem bem-humorado é em geral menosprezado, não merece maior consideração, não inspira muita confiança.
                Daí que eu me empenhe em mostrar aos outros uma aparência séria.  Descobri que isso me facilita grandemente os negócios.  Por dentro, porém, estou rindo e me divertindo à larga.      
26.10.1908


Anotação 2b.
                Um dos talentos dos grandes estilistas é fazer com que, pelo seu modo de empregá-las, palavras obsoletas deixem de parecer obsoletas.  Elas ocorrem com a maior naturalidade nos textos deles, ao passo que nos de outros parecem afetadas ou fora de lugar.  Isso se deve ao tato & discernimento de tais escritores, que sabem quando – & somente quando – o termo em desuso pode ser empregado & revelar-se artisticamente agradável ou linguisticamente necessário: & então ele só é obsoleto de nome.  Trouxeram-no de volta à vida as naturais exigências de um estilo vigoroso ou sutil.   Não é um cadáver desenterrado (como no caso de escritores menos capazes) mas um belo corpo despertado de um sono longo & reparador.

In: Reflexões sobre poesia e ética.  Trad. de José Paulo Paes, 1998.

O poeta grego Konstantinos Kaváfis, 1863-1933

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

FIRMA IRRECONHECÍVEL, SÉTIMO SEGMENTO



Rabo alegre de cachorro
acena mas não assina,
cicatriz de navalhada
assina pra todo o sempre,
assina quem regras caga
por saber que se apaga
o testemunho da estultice
vaga e tola da assinatura,
e quer desfazer vestígio
em pregas que mal limpou
das regras que inventou
quando apenas suspeitava
da vaguidão que dissera,
prestígio de chocolate,
tolice, abobrinha, asneira,
e virou juiz de juízo,
cachorro de muito siso,
formador de opinião,
crítico consagrado em
seu penico sentado,
todo um supositório
em nome de belazarte
se diz porta-voz e
parte pra dar o seu pa-
recer, sendo assim é o
focinho que avisa ao res-
to do corpo se é boa a
merda que cheira que nem
ração de primeira, o corpo
come e se regala e enquanto
come invade a sala per-
fume de frasco sublime
crime de fetidez pra fo-
cinho de caga-regra,
cachorro kitsch, críti-
co brega sebento de cor-
po inteiro, canaz de gran-
de sabença abençoa a
patuléia e quem discor-
dar na platéia ponha
entre as pernas o rabo
se não quiser levar o nabo
comprado pela alcatéia.
Vale um pouco a assinatura
do sujeito otimista,
que no geral como foi dito
assinatura vale nada,
autêntica ou falsifi-
cada um sabe da sua
e se não souber não muda
o tudo que a nada anula,
anum preto dá em pasto,
e não dá trégua a carrapato
o branco é alma-de-gato
e não consta assombrar rato,
assum preto dá em baião,
o branco noutro teclado
da sanfona pro piano,
partitura em espantalho,
alma penada é corvo
me enervando com Lenora,
certidão de edipiano reco-
nhecida em oráculo,
esboceto com rasura
para acesso de risada,
cicuta com pouco açúcar
para excesso de gordura,
adoçante com dois ss
pra enchimento de lingüi-
ça na tripa forra forrada,
vaselina é parafina de baixo
ponto de fusão, se usa
pra atochar calão como se
enálage fora, quem ouve
vozes e assina bobagem
estupigrafada psico-
grafa escritor de valor
morto e enterrado de quando
infante canhestro estuda-
va na escola primária
com trovinhas e gra-
cinhas cheias de bons
sentimentos em versos de
péssima safra, mens sana
em pé quebrado, alma analfas-
sombrada, que nem ra-
bo de cavalo depois de
desencarnado o seu talento
vai crescendo igual poço
em busca d’água.

Firma irreconhecível. Oficina Raquel, 2009.


Aos possíveis interessados, o fragmento anterior do poema pode ser acessado pelo link http://robertobozzetti.blogspot.com/2011/08/firma-irreconhecivel-sexto-segmento.html
Ali estão também os links para os segmentos anteriores.