Depois de seis anos fora de atividade, retomei este meu blog na semana passada com um poema em elaboração, conforme frisei. Trabalhei mais nele e apresento aqui aos leitores uma segunda versão, que talvez venha a ser a definitiva. Serão bem vindos os comentários, pareceres, impressões que tomem a comparação entre os textos. Ou não. Que queiram comentar apenas este novo poema a que cheguei.
Ei-lo:
EM QUE MORRESTE
Eu poderia me chamar João Cabral de Melo
Neto e estudar ciências abstrusas, números irracionais, letras
apagadas e ter amor ao que faço ou finjo
fazer, criar corvos ou urubus, entrar e sair de tretas
ir ao mercado comprar maçãs, apostar no bicho
jogar o peixe pescado aos gatos
e nem de longe pensar em nada parecido com assassinatos
ao redor de mim
e eu não teria por que ser morto
Eu gostaria mesmo é que meu nome de fato
fosse Marcus Vinícius da Cruz de Mello
Moraes e ainda que eu fosse ruim de bola
a ponto de ser barrado até no gol, mas bom da bola,
dedicaria meu tempo a organizar os comerciários
contra comerciantes argentários
ainda que me ameaçassem em vão com assassinato
meu provável fim
eu não teria por que ser morto
Eu quereria me chamar Joaquim Maria Machado
de Assis e ser herdeiro de um vasto latifúndio de infortúnios
e de tanto me esforçar tornar-me exemplo
exímio construtor de pontes e túneis e expulsar
de tantos outros templos os vendilhões de sempre
a atender para todo o sempre orações mediante depósitos
para encomendar assassinatos
sem fim
e eu não teria por que ser morto
E se eu me chamasse Edson Arantes do Nascimento
e demonstrasse desde a mais tenra idade
um talento invulgar para a geometria euclidiana
e as especulações de fundo pitagórico
ou fosse eu um mero Afonso Henriques de
Lima Barreto e traçasse a geometria do espanto e do descalabro
de todo o meu país de inutilidades e pegasse
o trem às 5 da tarde, sonhando topografias trocando
ideias infindas em conversas intermináveis
com Caetano Emanoel Vianna Telles Veloso
e Heitor Villa-Lobos, e súbito entrassem no trem
Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho e Olavo Brás Martins dos
Guimarães Bilac, amigos de turma e boemia
e aguardássemos ansiosos a hora de nos encontrarmos
com Cecília e Clarice e Hilda e Adélia
Vera, Maria da Graça, Conceição, Tamires
vindas todas das dimensões nada etéreas
mas muito concretas portadoras de imensas sabedorias
e dedicássemos nossos tempos e nossos futuros
a passar verões à beira-mar e invernos entre serros
e não
não teríamos por que sermos mortos
Mas me chamaram Bernardo e entre uma aula e outra
uma gôndola e outra um cheetos e um hambúrguer
entre ser o Pedro ou o Rafael a Stéphanie ou a Gioconda
o Vitor ou o Valber o Kássio ou a Helga a Sandra ou
o Leo ou o Roberto
eu fui eu e não
o outro
e fui morto.
Uma vida interrompida de maneira brutal, impossível não se emocionar ao lembrar que uma criança, que poderia ter sido quem quisesse, foi morta apenas por ser quem é: uma criança. Agora Bernado é também poesia, para que seu nome não seja esquecido como desejaram seus algozes.
ResponderExcluirSim, Thallyta, obrigado pelo comentário.
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