domingo, 14 de abril de 2024

EM QUE MORRESTE

     



    Acordei com vontade de reativar este blog, que desativei há quase seis anos, depois de nove anos de intensa atividade.  O espírito a presidir sua existência continua o mesmo, sintetizado em sua breve e protocolar descrição: "poesia, literatura, música, futebol, comes e bebes, humor, bom humor, mau humor..."  o que vier de diferente,  acréscimo ou de supressão,  será sinal do tempo passado a cunhar  suas mudanças neste escriba.

    Como primeira postagem da retomada, posto um esboço - que em italiano se diz "bozzetto", plural: "bozzetti"  - de poema, motivado por dias de luto, consternação, medo, impotência... enfim, nossos dias.  A foto que a acompanha circulou na mídia esta semana.  

    Aproveito para linkar aqui uma descoberta de agora há pouco, de um veículo que me parece precioso para acompanhar os constantes e inquietantes acontecimentos nas periferias que "coalescem em torno de nossas cidades sitiadas", como diz a canção "Ronda carioca", dos chapas Fernando Pellon e Paulinho Lêmos (procurem conhecer)*.   Mas o link de que falo é para a Iniciativa Direito à Memória e Justiça Social https://dmjracial.com/ .

    E o poema em construção é este    


EM QUE MORRESTE

Eu poderia me chamar João e estudar
ciências abstrusas, números irracionais, letras
apagadas e ter amor ao que faço ou finjo
fazer, criar corvos,  entrar e sair de tretas
ir ao mercado comprar maçãs, apostar no bicho
jogar o peixe pescado aos gatos
e nem de longe pensar em nada parecido com assassinatos
ao redor de mim
 
e eu não teria por que ser morto
 
Eu gostaria mesmo é que meu nome de fato
fosse Marcus Vinícius e se eu fosse ruim de bola
e ser barrado até no gol, mas bom da bola
e dedicar meu tempo a organizar os comerciários
contra comerciantes gananciosos  e argentários
ainda que me ameaçassem em vão com o assassinato
meu provável fim
 
 eu não teria por que ser morto
 
Eu quereria me chamar Joaquim Maria e ser herdeiro
de um vasto latifúndio de infortúnios
e de tanto me esforçar tornar-me exemplo
exímio construtor de pontes e túneis
e expulsar de tantos outros templos os vendilhões
de sempre a atender para todo o sempre orações e assassinatos
sem fim
 
e eu não teria por que ser morto


(* para ouvir "Ronda carioca", indicada acima, na voz de Fátima Guedes, acessem o site de Fernando Pellon em https://fernandopellon.com.br/


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