sábado, 5 de novembro de 2016

ROBERTO PIVA (1937-2010), DUAS SEM TIRAR


                DÓI MAS VOCÊ GOZA (prefácio-manifesto)

Eu, Roberto Piva, poeta espacial-luxuriante, me equilibro na glande do deus Príapo.  Verão como tremo ardendo inverno.  Nunca mais levei a sério nada a não ser os corpos.  E os deuses dos corpos.  O corpo confere perfeição, não é mesmo, W. B. Yeats?  Voltei às paixões da adolescência:  Virgílio, Baudelaire, Dante, Pessoa, Catulo, Cravan, Stockhausen, Artaud, Nietzsche, Ferenczi, Heliogabalo, Lautréamont, Johnny Alf, Elvis, Michaux. Platão (que comecei a ler aos 14 anos), Walter Pater e Machiavelli.  Abandonei definitivamente o Ocidente-Oriente com seus socialismos-fascismos, que florescem nos confessionários do tempo do deus Kareta.  Meu deus de cabeceira é Dionísio. Minha missão é a Confusão & Paixão.  Sem elas estaríamos de uniforminho azul adorando a cueca de tafetá do funcionário Mao.  Ritos da confusão.  Festas da paixão alucinógena.  François Villon só me aparece nos mictórios.  Dante & seu disco voador de luz neon.  Crevel, Artaud & Reverdy me olham da parede invisível no quarto-barricada onde durmo.  Jarry, Picabia & todos os boys.

Relendo Vico outro dia, percebi que meu amigo Roberto Bicelli estava certo: eu também quero ver frango ciscando na avenida São João.  Oswald, Sade, Novalis, Pasolini, Swift, Vico, Pessoa, Reverdy, bom-dia!

Deus Hölderlin, faça de mim o bumerangue de todas as paixões!

                                     
                                                     São Paulo, 13 de fevereiro de 1982. 






POEMA ELÉTRICO DO CU

músculo de veludo na boca de todos os feirantes    torpedeiros         meninas de internato negociantes     padeiros    farofeiros   torcidas    exércitos de humanocultura onde você habita alucinante como promessa derradeira

cu boquiaberta entrada franca dos demônios pesadelo dos adolescentes    fogueira da solteirona em férias     árvore genealógica da Cloaca Mater onde foi chocado o ovo humano numa temperatura de 30 sóis

cu    fonte de energia kundalini     hóstia dos grandes libertinos     fornalha dos cocainômanos     boca azulada da verdade corpórea diagramada no infinito do desejo 

cu grande iniciador  de tempestades amorosas      vertigem verdadeira onde os amantes deslizam

cu  vaporizador da Idade Média do corpo   onda bioenergética de metais coloridos   omoplatas carregadas de hidrogênio    leopardos alucinados de tanto veludo

cu de cabelos      negros    loiros     ruivos      castanhos     cipoal de intrigas onde o caralho se perde     se desnorteia      desmaia de gozo na contração do espasmo da alegria erótica

cu selvagem assaltante noturno    diurno     trombadinha    espadachim das estradas    que levam ao Grande Precipício anunciador de Paixões

cu das penugens suaves & sumarentas     flor carnívora    labareda policiada pela civilização    ave louca    solitária   perdida    bêbada    amorosa

cu proletário do corpo     grande escorpião revoltado       teu vôo de liberdade começa    a acontecer

Roberto Piva.  Coleção Postal 1.  Rio: Azougue/Cozinha Experimental. 2016.



Numa iniciativa conjunta da Azougue Editorial e da Editora Cozinha Experimental foi lançada a Coleção Postal, com 12 livros vendidos mediante assinatura, 1 livro por mês – cada mês, 30 poemas de um poeta e mais entrevista.  O primeiro volume foi dedicado a Roberto Piva, com poemas (de 1961 a 1996) nunca antes reunidos em livro,  e uma  entrevista concedida por ele a Daniilo Monteiro, Pedro Cesarino e Sergio Cohn.  A edição é caprichadíssima, super bem cuidada, capa dura revestida em tecido.  Livros belos, como deveriam ser todos os livros.  



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