Que esperam vocês de mim?
que minta como se não?
que ponha lérias em férias?
que dê letra à maluquices
inventadas por vocês?
um jeito pra que dessa doideira
a vila de merda e poeira
ganhe forma vitalícia?
só se morta fosse em mim
a minha chama interstícia
se a vida e sua folgança
não fossem minha sustança
contrária a toda medida
e o piriri poranduba
que me acomete em cometas
e jorros de jatos forros
tal peidos a propulsão
se aquietasse e eu deixasse
de viver a mesma febre
que a todos nos faz a delícia
e assinasse coletivo
nomes incompatíveis
sobrenomes e pronomes
sujeitos cabriocários
predicativos suplícios
como esperar que eu diga,
que eu diga, não – que eu escreva
o que mal na folha fria
perde a picada da abelha?
a patagônica ciência
para sempre derretida
e o boi de alpercatas
quem o acreditaria?
a saparia agônica
tresvariando no mundéu
o cortejo pelo céu
de pokemons e urutaus
as seriemas no rumo
do fumo das jararacas
como negar a existência?
só deixar a evidência
desse povo anfíbio e pau
desimportante e cacete
analfabeto e sinistro
sem pingo sem asterisco
movido a cana e curau?
povo de deus largado
tentando parar o tempo
em desnoção desusada
narrar sério e esperançoso
contar em canto numeroso
o desinfinito inglório
a seca da vida seca
samicas de caganeira
a noite toda bebendo
e não rabiscar, devendo
apenas o que me dá na telha?
nem que a piroca de um padre
desse à luz uma noviça
nem que chova a noite toda
até afogar o mundo
xota em fúria apocalípcia
ou em bandeira desfraldada
uma sardinha aberta
de pêlo preto arrodeada
represente a derrocada
da ordem e da polícia
de gaudério matador
cuja delícia é ver sangue
promotor de holocausto
javélico e infausticida
sou homem de beira-rio
de terceira margem infixa
cada um por si e deus contra
o fogo devore tudo
epístolas e apostilas
não me sigam não me digam
mendigos dos restolhos
retalhados da eternidade
me deixem quieto irrequieto
a água devore o fogo
na pátria do desperdício.
Em Firma irreconhecível (Oficina Raquel, 1009) publiquei o poema acima, uma homenagem ao protagonista de Narradores de javé, filme de Eliane Caffé, de 2003. Vai também aqui como uma homenagem ao fantástico ator José Dumont, que vive o personagem.
Oi, Bozz! Não vi Narradores de Javé, infelizmente. Mas concordo que o José Dumont é um dos melhores atores do Brasil. Recebeu há alguns anos a justíssima homenagem de uma coletânea no CCBB, que pude acompanhar com prazer. Fiz questão de dizer isso aqui no seu blog porque vivo atualmente numa terra hostil aos nordestinos, São paulo. Pois bem, José Dumont é um dos que levaram nas costas o cinema brasileiro (assim como os nordestinos levam nas costas essa cidade) num tempo em que não se falava em Walter Sales ou Fernando Meireles. Oportuna lembrança, justa homenagem. Parabéns!
ResponderExcluirOi Virggillia,
ResponderExcluirque prazer um comentário seu aqui! Narradores de Javé é sobretudo um filme muito inteligente, além de muito belo e com um elenco arrebatador. Recomendo com todo o entusiasmo que você o veja, para que ele fique ainda mais inteligente. o Dumont brilha muito, mas não brilha sozinho não, em termos de atuação. É horrível essa relação dessa terra aí com os nordestinos, não é? Muito triste, deprimente. Adoraria conseguir ouvir o Glenn Gould que vc postou lá no seu blog, mas a minha conexão discada levaria umas 12 horas pra baixar - arriscando a cair no meio ou no finzinho.
Gosto muito de saber que vc me lê por aqui.
Beijo carinhoso pra ti, saudade
do
Bozz