sexta-feira, 17 de junho de 2011

A FARAONA, A PINTADE, A GALINHOLA, O CAPOTE: GALINHA D’ANGOLA


          Se isto aqui fosse uma seção ou um blog de receitas, eu diria que aproveito que é sexta-feira para inspirar os leitores a capricharem no almoço de fim-de-semana, aproveitando o friozinho que anda fazendo (acho que até peguei o estilo, não?).  Não dou as receitas porque não teria jamais a pretensão, sou cozinheiro amador e autodidata (que vergonha, caro leitor, escrevi  quatro linhas e já fui duas vezes ao dicionário: uma pra confirmar se “seção” no sentido que uso aqui é com cedilha mesmo; outra, pra ver se tem hífen em autodidata, oh céus!), mas como eu dizia, sou amador e autodidata,  e comigo a coisa funciona muitas vezes como tentativa-e-erro (sei, sei, os hífens aqui não são recomendáveis e tal, mas assim eu acho que fica menos rúim – e isso agora é uma homenagem ao Mário. Que Mário? O de Andrade, claro). Mas tergiverso.  Vou começar de novo – o que é, falando nisso, diferente de “torno a repetir”.
Sem receita, só inspiração, só istorinha (sei, sei, Guimarães Rosa escrevia “estória” etc).  Foi no domingo passado, 12 de junho, data que o comércio mais rico desdenha, segundo fiquei sabendo na Bárbara Gancia, pois o Dia dos Namorados seria uma “comemoração classe C”, já que o pessoal parece que pouco compra além das flores – acho até que compra uma só, com a desculpa de que fica mais pessoal – e da caixinha de bombons. Bom, mas não importa.  Quero dizer, importa sim.
                Porque recebi um amigo para almoçar aqui no brejo.  Ele não é classe C, visto não ter dado importância à data, uma vez que a namorada dele, que  certamente também não é, está na Europa (se bem que segundo as estatísticas que a imprensa não cansa de destacar, “gente que nunca voou está voando para os destinos antes mais impensáveis...” – bom,mas isso também não importa. E não importa mesmo).  Pois ele veio do Rio até o brejo,  e ao chegar lembrei-lhe que era Dia dos Namorados  e não apenas, lembrei-lhe que passaríamos juntos.  Ele fez charme de tolinho (estou imaginando a cara dele ao ler isto aqui), disse que ia embora, até que lhe mostrei as coxas da galinha d’angola que eu ia fazer pro nosso almoço fraterno.
                De vez em quando eu penso em criar umas bichinhas (estou falando das galinhas d’angola, não do meu amigo) dessas aqui no meu brejo, acrescentá-las ao plantel de galinhas, patos, perus e gansos do quintal.  Depois desse almoço exitoso volto a pensar em criá-las.  Não tem maior mistério, mas como é um bicho um tanto selvagem é preciso tomar certos cuidados. Como, por exemplo, confiná-las, tendo que pôr uma cobertura para evitar que voem.  Como não me agrada a idéia de encarcerá-las em cubículos, teria que ser uma área razoavelmente grande, com cobertura grande. E cara. Se forem criadas soltas no amplo cercado do galinheiro,  é preciso estar constantemente cortando-lhes  as asas,  caso contrário é preciso armar-se de disposição e sair por esses matos afora  quando elas resolverem passear mais longe.  Inclusive conseguir recuperar as fujonas  antes que algum aventureiro...
                Bom, mas enquanto não tomo nenhuma decisão prática sobre o assunto, falarei aqui do almoço.  Comprei umas coxas de capote, que é como se diz no Nordeste,  e resolvi cozinhá-las em uma água com alho-porró, aipo, tomilho, uma folhinha de louro e umas pimentas da Jamaica.  O resultado do caldo, aromático, depois eu conto.    para as coxas, fiz uma mistura de mel, suco de laranja, páprica e mostarda,  e pincelei essa mistura antes de remetê-las ao forno para dourar.
                Para acompanhar... bem, um arroz integral com manga e pinhões passados na manteiga por cima: pinhão é uma delícia, e de maio a julho encontro-os frescos por aqui, produção praticamente silvestre que vem da região do Itatiaia. Ainda  umas batatinhas miúdas cozidas no vapor com alhos e aspargos,  e depois passadas no azeite com tomilho e alecrim, o tempo suficiente para que peguem uma crostazinha e os aspargos não se desmanchem.  O legal é cozinhar o alho com casca e tudo e depois amassar , retirando a casca e banhando no azeite que salteou as batatas, juntando  pimenta do reino e umas gotas de limão, de modo a forrar  a travessa que vai receber as batatas e os aspargos.  E uma saladinha de verdes crus aqui do quintal: mostarda, rúcula, alfaces, agrião e acelga.
                Ficou um belíssimo almoço, sendo que o caldo do cozimento eu coei e guardei no freezer.  Aí, umas três noites depois, com o frio que anda fazendo aqui, a rondar a casa dos 10 graus, retirei do caldo a gordura excessiva, acrescentei um pouco mais de água e nele cozinhei uns maravilhosos inhames do quintal, tenros e adocicados  a mais não poder.  Como tinham sobrado alguns pinhões, cozinhei-os também, e aí juntei o caldo da faraona – como se diz na Itália – com o inhame já praticamente derretido e mais os pinhões,  e bati tudo no liquidificador.  À parte, como tinha usado toda a carne da galinhola,  peguei um filé de frango, temperei, cortei miudinho e grelhei, dando-lhe ainda uma flambada em cachaça.  Aí pus esses pedacinhos no caldo, cortei em lascas alguns pinhões reservados, salsinha e... ficou do jeito que está aí na foto um tanto canhestra.  Pena o  blog não ter sabor (eu tô que tô jornalista de receita hoje, não é mesmo?).
                Ah, faltou dizer.  No almoço abri um ótimo malbec da Don Laurindo.  Só não teve flores e bombons para que não nos confundam: afinal, eu e o meu amigo  não somos classe C.
               

9 comentários:

  1. Caramba Bozzetti.
    delícia
    quero provar isso em breve!

    Paulo Talarico

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  2. Pois venha até o brejo, Talarico. É só a gente marcar.
    Abraços
    do Bozzetti

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  3. Regina,

    o convite ao Talarico é extensivo a você.

    beijos do
    Roberto Bozzetti

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  4. Você ficou verde mesmo, fazendo salada com seu quintal.
    Essa receita não dá para seguir.
    Adorei a crônica do dia dos namorados sem flores, bombons e/ou namorados.

    bjs

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  5. Andréa,

    talvez eu apenas tenha ficado um pouco mais verde, que verde eu sempre fui: verdade que multicolorido, indo do verde escuro da acela gou do brócolis ao vermelho vivo da pimenta e do steak-tartar, passando por todos os matizes e variantes.
    Só não entendi você dizer que a receita não dá pra seguir. Enfim...

    Um beijo do
    Bozzetti

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  6. Não dá para seguir porque não posso pegar nada no meu quintal para fazer salada, já que não tenho quintal.
    Mas vou esperar ser convidada também, quem sabe.

    bjs

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  7. Andréa,

    já te convidei, apenas reforço o convite. é só a gente marcar.

    um beijo do
    bozzetti

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