domingo, 5 de junho de 2011

"FIRMA IRRECONHECÍVEL", 3o. SEGMENTO



"Firma irreconhecível" é o longo poema que dá título ao meu segundo livro de poemas, lançado em 2009, pela Oficina Raquel.   Postei anteriormente os dois primeiros segmentos, posto hoje o terceiro (ao final, os links para os dois primeiros):

A assinatura não passa
do que leva do que se faz
ao que se conserva,
alvo de tédio e de con-
trovérsia, descaminho
disfarçado de tolice
ou platitude, ardil de
onça, ardor de caiena
dissolvida em calda quente,
conversa de gáudio gaudério,
sesquipedal quadrupe-
dia a dia onde se en-
contrem vadios em hos-
pital ou cemitério.
Assinatura é rabo
de lagartixa e o resto do
corpo é o óbvio que
se espicha, o ovni, o ob,
o ó do borogodóvio,
o bode de Dioniso, o tísico
de Tribobó, o leproso
de Pouso Alto, a querer re-
atar, a buscar o istmo
que de novo o ligue à grei
da tara e do vício dis-
farçados do salutar con-
vívio dos mortos em vida,
da perfídia dos que se
sabem ou se pensam vivos,
viúvos de si mesmos,
úvulas em riste a se que-
rerem ouvidas nos campos
da eternidade, Arcturo,
Sírius. Nonada, quirera,
xerém, falsa jóia,  ouro
de tolo, joio, chicharro,
cachorro, quinquilharia,
cd pirata, emenda, as-
sinatura não vale nada,
nem o que pesa, nem o
que se pensa, fedor de flor
que não se cheire, fru-
ta que não se morda,
jaca, abacaxi, melão
pêra de cera, uva de lata,
estrela de latão, per-
fume que não cativa,
garganta boa pra forca,
bacalhal de plural  falso,
falta de sal na açorda,
tripa da fina ou grossa,
molde de medir merda,
cigarro de báli, sombrinha
de usar em chuva que
não abre quando chove,
vale muito a assinatura
de 1,99
buchada de bode, estro-
gonofe de bofe, churras-
co de baiacu, de tudo que
cai no mundo hai na feira
de Caruaru.  Assinar
com pesar o óbito, pá
de cal na discórdia e noi-
te eterna encomendada,
bilhete de suicida, falso
risinho de mofa, fama
de uranista post-mor-
tem coisa que só fudendo,
laranja de beira-estrada,
assinar não vale nada,
não prende a prenda
que se quer, não paga a pe-
na que nem se sente, nem
a praga que se roga à por-
ta do leito da amada,
na cabeceira do doente,
não apaga o malefício
da palavra violada ou
do silêncio conveniente.
Isto quer dizer que assina
qualquer um que se exima
de ver na vera ravina
voraz voçoroca rapina
o futuro da  selva sel-
vagem cerrada na moto
-serra, na certidão libe-
rada, sacramentada e estu-
prada, dada a taipa para
casa, estuque de escavação,
senhora nossa da lapa,
da penha, do parto, de pu-
tas velhas matronas, mada-
lenas de redevu, no mei
da rua o diabo com toda
a documentação, atrás
de quem reconheça por
legítima sentença doce
promessa de prêmio, cortejo
de romaria, santarrões
de putaria, canibais
negando crença. Assinar
também se assina rega-bofe
de bacana, carta de vinho,
cardápio, quadro de giz
na esquina, comidakilo,
latrina onde se mete
o de Duchamps na goe-
la, perfuratriz de vagina,
almofariz de tolete,
servida em fino banquete,
assinado: omelete aux fines
herbes, quoi c’est ça,
c’est la mer de tout le
monde aboli,  muco,
remela, mingau, alheira,
moela, jiló, silveira,
salteada na frigideira,
flambada em pernod anis,
meleca da cozinheira,
focinheira nas crianças,
pra que não metam o nariz
por sob a toalha fina
e descubram a lingüiça
marinada em serotonina
na delicada mão da moça,
ansiosa de que o bálsamo
da salivação da língua à
pica prepare o desfe-
cho no  esguicho que a
roliça rola lança e a
mão pressurosa assina.
Letra ilegível em receita
não recomenda o que as-
sina, como quem de vista
conhece mas não re-
conhece viva a vítima,
salva do estado crítico
pra morrer pessoalmente,
tubo,  seringa, sonda,
ampola, comadre, dreno,
a agulha que busca o
medo, percebida em rai-
o x 0 x 0 xô!,
com a vida, doença que ma-
ta muito a medicina
mata mais, não quer ficar
para trás mas não quer le-
var a fama, gato vive sete
vidas, no rabo dá septi-
cemia, médico chega, mede
o risco, risca o corte, extrai
o quisto, mas era só cisco
no olho e não do cu, e ganhou
cisto o vigarista  do E-
varisto, e de noite no
oaristo do médico e da es-
posamante diz-se acabe
logo com isto, siga em frente,
vá adiante, morrer todo mundo
morre, se não for depois
                                               é antes.

Link para o 1o. segmento:
   
Link para o 2o. segmento:



2 comentários:

  1. Gostei, Bozzetti! Ultimamente estou cheia de "sombrinha de usar em chuva que não abre quando chove", haha, é "o ó do borogodóvio"! Bjos

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