quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

EU ME MITO

                Passam a toda hora por mim e muitas vezes mesmo nos cumprimentamos. Nem poderia ser diferente e nem teria por quê. Converso muitas vezes com eles, mas nunca lhes falei, nunca toquei no assunto, no estranho que me causam suas caras de criança sobre corpos envelhecidos, corpos que decididamente não são de crianças, nem mesmo de jovens, são corpos de meia idade, são – muitos deles, não todos – corpos já gastos pelo tempo, corpos de lida encardida muitos deles. Não exatamente macunaímas de carinha enjoativa de piá em cima de taludos, mas feições infantis em rostos que reparando bem também eles não são – mais – infantis, também rugas e grisalhos de barbas mal-feitas, em alguns mesmo é possível adivinhar malfeitos  ao longo de vidas das quais nada sei e que seria tarde e inútil – ainda que talvez interessante – saber. Aquieto-me e chego à conclusão de que são os olhos, os deles, não os meus que me causam essa estranheza. O fato, afinal, de nunca ter lhes tocado no assunto me engrandece pelo que prova que não é qualquer surpresa que me surpreende, além  do que me evidencia de forma eloqüente o quanto sou de discreto e ponderado – e não acho justo pensar o mesmo deles, de tantos deles que conheci tão bem, e sei que, se notassem algo de semelhante em mim ao que neles noto, já me teriam dito.  Logo, não são os meus, mas os seus olhos que se conservaram os mesmos, mergulhados na torrente do tempo, e – apenas os olhos – infensos ao tempo implacável.  Quanto a mim, tão diferentes eu e eles do que pensávamos jamais que um dia seríamos, prossigo ainda mais belo, mais ágil e transparente.

Nenhum comentário:

Postar um comentário