quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

E MAIS, ERA TOM JOBIM


me lembrei muito por esses dias d’A casa do Tom
um vídeo que assisti sobre a casa do Maestro
quer dizer
era  sobre o mundo.

como poucos
 Tom morou no mundo,  no planeta Terra
(preciso comprar o vídeo, o que vi me fora emprestado –
já o recomendei a tortos e a direitos
volto a recomendá-lo)

desatavio aqui esta prosa
– que é na verdade uma vontade canhestra  de imitar Augusto de Campos –
porque a catástrofe na serra fluminense soterrou milhares
de pessoas  soterrou
bairros inteiros,  cidade quase inteira
como São José do Vale do Rio Preto
e boa parte de A casa do Tom era passada em sua casa no Poço Fundo  em São José
à qual se chegava pelo Caminho do Dindi – que viria a batizar canção – onde um dia
 reza a lenda dos moradores do local contada pelo próprio Tom
Frank Sinatra se escondeu debaixo da cama para fugir ao assédio

(pronto: fui procurar na net se o nome era mesmo Poço Fundo
e eis que descubro que existe um blog que é só sobre
Tom e o sítio – clique, caro leitor
mas isso não importa tanto até porque como minha conexão é precária
está demorando muito a baixar e
se der
depois eu leio
com calma – que isso não interrompa  a marcha(rancho)
do que eu quero dizer aqui)

o que eu queria dizer pra começo de conversa aqui
é que foi noticiado na mídia que a casa onde Tom compôs “Águas de março”
foi praticamente destruída pela avalanchente e nem mesmo
o infame trocadilho do tipo “as águas de março chegaram em janeiro este ano”
foi desprezado
e dá vontade de não ler o idiota que comete isso
não exatamente porque ele não sabe o que são as águas que fecham
nem sabe que existem as que abrem o verão
mas porque a oportunidade de brincar com os meses
vai mostrar a sua argúcia
 não é mesmo?

mas não quero resmungar
nem quero mau humor pra falar do Maestro
é que lembrei    quando li a notícia
da contracapa do O amor, o sorriso e a flor
o terceiro LP de João Gilberto escrita por Tom
onde já se adivinha a casa do Poço Fundo
da qual transcrevo aqui alguns trechos:

“Em janeiro, não aguentei mais e subi a serra. Todos sabem como foram as águas em 60. Como choveu! Cheguei à fazenda, meti-me numas calças velhas e esperei a chegada daquela burrice calma que nos dá nove horas de sono sem sonhos.
(...)
O mau tempo e o barro mantinham a todos presos em casa. Bom era quando odia amanhecia melhorzinho e eu e meu filho, ainda de pijama, íamos ver o trabalho das formigas cortando as roseiras do jardim. Mas qual! Quando o sol começava a querer esquentar vinha logo a chuva e nós corríamos para dentro.
(...)
Uma noite, já ia apagar os lampiões, quando ouvi o motor de um carro que pelejava para subir a rampa. João Gilberto e Sra. estavam chegando. Tínhamos combinado que ele viria, mas, devido ao mau tempo já não acreditávamos que Joãozinho chegasse, e logo de taxi!”

a disponibilidade feliz de quando se vivia a bossa nova
(daqueles que de alguma forma a viviam)
- é ler o Lorenzo Mammi em  Três canções de Tom Jobim
tão inimaginável hoje – como pensar Tom e João assim:
Tomávamos banho de cachoeira
antes do Carnegie Hall
antes muito antes ainda das notas dissonantes se integrarem ao som dos imbecis
antes do mundo todo se tornar mesmo a casa de Tom ( e essa é a parte boa
da história)  é isso
melhor
é disso que me lembrei ao me lembrar desse texto,
e o que faz o filme que tanto me comoveu é mais uma vez me tocar
do quanto seria bom conversar com Tom - mestre da conversa
que lá pelas tantas diz
 comentando as queimadas que assolavam e assolam e fazem o Brasil crepitar
antes de se dissolver em água e pedra e lama e pó e epidemia:

O brasileiro pra levar uma caixa de fósforos no bolso
devia precisar de porte de arma

enquanto ao fundo o timbre d’ouro do oboé tristíssimo sola
“Valse”
(que depois ganhou letra de Ronaldo Bastos
virou “Olho d’água”  e foi gravada pelo Milton
com o coro dos Canarinhos de Petrópolis no Clube da Esquina 2
- mas isso foi muito muito depois)

é fácil adivinhar “Águas de março” no Poço Fundo
“Chovendo na roseira”
“Correnteza”
“Matita-perê”  “Sabiá”   “Urubu”
mas talvez seja menos óbvio que também de lá o Maestro via o “Corcovado”
as “Two Kites”
“Fotografia”
“Wave”
 – ou não as via  – o que é melhor ainda – mas
as compôs lá

não tenho a menor idéia de que as tivesse composto lá
porque aquela não era a casa de Tom
a casa de Tom era o mundo e lá
ou lá onde for
ele as escreveu compôs tocou entregou
ao mundo – e não ao Poço Fundo
e é esse precisamente o maior sentido de tudo

agora que só resta ao que parece pedra sobre pedra
em tantas cidades sobre tanta gente
agora que tanto se apagou com brutalidade
que aqui deste brejo o coração aperta
a qualquer chuva mais forte nesta quadra agreste do ano

estou vizinho do silêncio – concreto e também  histórico...
que se abateu sobre mais de 1400 mortos na Serra das Araras em 1967
(mas quem sabe? )

e que às vezes me ponho a pensar
como outro dia escrevi

“O que engolirá por fim este brejo, esta noite, estes cães, este morador? Que bocarra devorante entrevejo nesses segundos em que pareço vislumbrar, sem que me vejam,  os séculos vindouros, testemunhos de que não deixei os rastros que me assinariam?”

sem nem de longe adivinhar que o segundo pode ser água e pedra e lama
não ficarão meus rastros
mas não quero ver a casa do Poço Fundo
que o mais
                afinal
era Tom Jobim
                “Vão demolir esta casa.
                Mas meu quarto vai ficar,
                Não como forma imperfeita
                Neste mundo de aparências:
                Vai ficar na eternidade:
                Com seus livros, com seus quadros,
                Intacto, suspenso no ar!”

e o Maestro vai ficar
como o quarto do poeta
como a rosa que não cheira
como a onda que não quebra
sobre a vida costumeira.

2 comentários:

  1. fala, roberto!
    hoje sonhei que com o tom jobim. não sei por quais circunstancias ele vinha jantar com a minha família. sentou-se na mesa e conversava muito com meu pai. eu estava alí olhando, estupefato, mas tomei coragem e perguntei sobre o disco com caymmi e família. ele falou: ah, foi bem descomplicado....só quem reclamou foi a aquela menina apimentada (elis regina).
    antes de deitar eu tinha visto o documentário "corporations". já vistes? impossível não ficar com a certeza de que estamos em queda livre, prestes a nos esborrachar no chão (uma das imagens citadas por um dos entrevistados)
    no mais..
    tou lendo e relendo teu livro e gostanto muito!

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  2. Fred querido,

    bons sonhos tens tido! bom saber de ti. não conheço esse documentário, mas acho que é um de que o Marcelo já me falou uma vez.
    Que bom que você esteja gostando do livro. Espero que assim um dia você reveja minha demissão!
    grande abraço
    do Roberto

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