segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

EDUCAÇÃO SENTIMENTAL PELO “CARPE DIEM”


            Extraídos do  magnífico  Lírica e lugar-comum, de Francisco Achcar (EdUsp) , desde a “premonição”  do “carpe diem” horaciano por Catulo, e partindo então do primeiro texto em que a expressão está registrada, em tradução do árcade português Elpino Duriense.  E além...


Vivamos, minha Lésbia, e amemos,
e as graves vozes velhas
– todas –
valham para nós menos que um vintém.
Os sóis podem morrer e renascer:
quando se apaga nosso fogo breve
dormimos uma noite infinita.
Dá-me pois mil beijos, e mais cem,
e mil, e cem, e mil, e mil e cem.
Quando somarmos muitas vezes mil
misturaremos tudo até perder a conta:
que a inveja não ponha o olho de agouro
no assombro de uma tal soma de beijos.

                                               Catulo (século I a.C)
                                               (tradução de Haroldo de Campos)



Saber não cures (é vedado) os deuses
A ti qual termo, qual a mim marcaram,
Nem consultes, leucônoe, os babilônios
Cálculos, por que assim melhor já sofras
Tudo quanto vier, ou te dê Jove
Muitos invernos, ou só este, que ora
O mar tirreno nas opostas rochas
Quebra.  Tem siso, o vinho coa, e corta
Em vida breve as longas esperanças.
Ínvida a idade foge; colhe o dia,
Do de amanhã  mui pouco confiando.

                                                           Horácio  (século I a. C)
                                                           (tradução de Elpino Duriense)




SONETO PARA HELENA

Quando fores bem velha, à noite, à luz da vela,
Junto ao fogo do lar, dobando o fio e fiando,
Dirás, ao recitar meus versos e pasmando:
Ronsard me celebrou no tempo em que fui bela.

E entre as servas então não há de haver aquela
Que, já sob o labor do dia dormitando,
Se o meu nome escutar não vá logo acordando
E abençoando o esplendor que o teu nome revela.

Sob a terra eu irei, fantasma silencioso,
Entre as sombras sem fim procurando repouso;
E em tua casa irás, velhinha combalida,

Chorando o meu amor e o teu cruel desdém.
Vive sem esperar pelo dia que vem:
Colhe hoje, desde já, colhe as rosas da vida.

                                   Ronsard  - séc. XVI
                                   (tradução de Guilherme de Almeida)




A APARIÇÃO

Quando, assassina, o teu desdém tiver
Feito de mim um morto contrafeito,
E te julgares livre, enfim,
Dos meus assédios e de mim,
Meu fantasma virá ter ao teu leito,
Onde serás, falsa vestal, uma mulher
Qualquer, nos braços de um outro qualquer.
A tua vela, então, vai vacilar;
Se cutucares o pobre comparsa
Ao lado, ele por certo há de pensar,
Ouvindo os teus suspiros e os teus ais,
Que queres mais,
E fingirá dormir, mísera farsa.
Trêmula e só, entregue à tua sorte,
Gelada até os ossos, vais penar,
Mais morta do que a morte.
O que eu direi não quero antecipar
Para não minorar a tua dor.
E como o amor que eu sinto também passa,
Prefiro te ver morta de terror
A viva e casta após esta ameaça.

                                       John Donne  - séc. XVII
    (tradução de Augusto de Campos)




A MARFISA

Já, Marfisa cruel, me não maltrata
Saber que usas comigo de cautelas,
Qu’inda te espero ver, por causa delas,
Arrependida de ter sido ingrata.

Com o tempo, que tudo desbarata,
Teus olhos deixarão de ser estrelas;
Verás murchar no rosto as faces belas,
E as tranças d’oiro converter-se em prata.

Pois se sabes que a tua formosura
Por força há de sofrer da idade os danos,
Por que me negas hoje esta ventura?

Guarda para seu tempo os desenganos,
Gozemo-nos agora, enquanto dura,
Já que dura tão pouco, a flor dos anos.

                                               Basílio da Gama – séc. XVIII







Nenhum comentário:

Postar um comentário