domingo, 13 de fevereiro de 2011

A ESTÁTUA E OS ÓCULOS

Analfabeto não usa óculos
Careca não usa pente
Pra que que o banguela
Vai querer pasta de dente?
(quadra popular)

Os jornais falam sem alarde
que noite dessas, outra vez
defraudaram o velho gauche.
Coloquial, mas afinal
estátua, ainda que sem pose
e pedestal, não se conforma
condenado ao quieto no banco,
itamórfico, pétreo ante
a perpétua prisão do mar
às costas e os aposentados
do Posto Seis jogando damas.
Será que pode agora a mídia
fazê-lo de seu bom velhinho
finalmente Quintana avô
da Bruna? Detido que está
em fôrma, solidário às levas
de pingüins que traz o mar, ele,
velho urso vindo das geraes,
dispõe-se a retratos, no entanto
escassos se desoculado.
Ora, Drummond se emputeceu
e ele mesmo escondeu os aros
e as hastes da armação de bronze.
Será a terceira ou quarta vez
que desaparece a relíquia,
súbito patrimônio histórico.
Da primeira vez manhã cedo
alguém notou e trombeteou,
jornalistas deram alarme
muito embora os pombos à tarde
nem dessem pelo sucedido
sugerido pelo sardônico
ar titânico do poeta.
Mais uma vez a mídia em ohs!
pranteou a deseducação
endêmica e tão brasileira,
e nós, que ao longo desses anos
deveríamos ter fingido
melhor amar essa poesia
farmacéltica e farmacêutica.
Castelo que foi à penhora,
ao longo do século cético,
a estátua não declarou nada
mas de dentro dos versos duros
tão pouco dúcteis quanto doces
a forma impalpável de Carlos
solidária sorriu aos vândalos.
Claro, não disse nada, não
assim diretamente como
o insubordinado mental
incorrigível de Friburgo.
Achou que o roubo contumaz
rotinizaria as retinas
cansadas dos concidadãos
e lhe parece haver ainda
muito barulho por tão pouco.
O poder público promete
24 horas por dia
monitoração eletrônica
e se a promessa for cumprida
a estátua do gauche fará
ao vivo o tresloucado gesto.


                                   Roberto Bozzetti
                                   (in: Firma irreconhecível. Oficina Raquel, 2009)

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