quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

OS QUE VOAM

           No céu, no seu azul de dia claro, não enxergo trânsito.  De noite indiferente sei que há vez por outra uma luz que pisca  lá por cima e raro volto os olhos: só o ruído, nem a sua fonte.  Muito menos trânsito. No claro do dia percebe-se que bem mais baixo do que em todo aquele azul voam os que voam, cujo vôo mal percebemos, eles não fazem ruído.  Suas asas podem nos roçar, mal vemos, mal vemos as asas, apenas sempre soubemos que são asas, sempre intuí que seriam asas. Grandes poetas e também poetas sem muita imaginação deleitam-se com o voar dos pássaros (Cabral preferia os fios de cobre aos pássaros). Diante de nós voam os pássaros e mais imperceptíveis ainda voam os insetos.  Imperceptível esse trânsito, o quanto ele é intenso, intenso trânsito de insetos.  Surpreende que não haja colisões.  Ou que delas não saibamos. Ou não as percebamos. Os documentários sobre a vida animal os captam com suas lentes em múltiplas tomadas.  Me ponho às vezes diante da janela e a depender da angulação da luz solar rebatida sobre o verde do fundo deleito-me com eles, com os que voam.  Me surpreendi a primeira vez que os captei.  Mas posso garantir: o trânsito é enorme a poucos metros de nós, acima ou mesmo à altura de nossos tufos de cabelo, os pássaros de que os poetas gostam e que parecem voar ao léu, garanto: não voam ao léu nem se preocupam em desenhar cromos que nos encantam quando os percebemos contra o céu.  O vôo é luta incessante atrás de insetos e é a vida feroz da caça, do trânsito – rotas aleatórias da sobrevivência.

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