sábado, 8 de janeiro de 2011

AH, UM SONETO...

Na série "Até segunda ordem", Paulo Henriques Britto elabora, em cinco sonetos, uma divertida narrativa epistolar de bandidagem, como numa estória de gangsterismo.  Que os bilhetes trocados entre os integrantes da quadrilha sejam sonetos é um espetacular achado de irrealismo, que comprova o virtuosismo do poeta, um virtuosismo aqui a serviço da demonstração de que tudo é possível no soneto, como tudo é possível em qualquer forma de arte que o artista senhor de sua linguagem domine.  


(19 DE JANEIRO)

Até esta chegar às suas mãos
eu já devo ter cruzado a fronteira.
Entregue por favor aos meus irmãos
os livros da segunda prateleira,

e àquela moça – a dos “quatorze dígitos” –
o embrulho que ficou com o teu amigo.
Eu lavei com cuidado o disco rígido.
Os disquetes back-up estão comigo.

Até mais.  Heroísmo não é a minha.
A barra pesou.  Desculpe o mau jeito.
Levei tudo que coube na viatura,

mas deixei um revólver na cozinha,
com uma bala.  Destrua este soneto
imediatamente após a leitura.

                                               Paulo Henriques Britto (in Trovar claro, 2006)

Um comentário:

  1. Que legal isso, "narrativa epistolar de bandidagem" em forma de sonetos, quem mais imaginaria isso. Realmente tudo é possível em arte.

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