No sexto andar daquele edifício não medravam morangos
apenas quatro apartamentos por andar dois banheiros azulejos
decorados vista para o parque etc. mas não
não medravam morangos nem corriam rios de néctar e leite
apenas quatro por andar e da janela debruçados para fora
uma nesga, até quando? da baía
e uma fuga de Bach para abafar lá dentro o pânico da rua
o riso rouco
Assim foi que se passou aquele ano até novembro
e, de repente, saídas não se sabe de onde,
inesperadas borboletas amarelas invadindo toda a casa
aquela praga – amarelas e brancas – miudinhas
devastando famintas os pesados tomos das obras de Marx e Marcuse
Foi então que Anita retomou a leitura dos cantos de Davi
e eu me senti sem pátria como quem perde a memória da infância
e às vésperas do Natal compramos flores
amarelas e brancas
para enfeitar o prato de amêndoas e miséria
de um mundo vazio de deuses
Jayro José Xavier (in: Enquanto vivemos, 1980)
Belo poema!!!
ResponderExcluirMarcelo Diniz