sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

DE "DIVAGAÇÃO SOBRE AS ILHAS"

               Por aí se observa que a ilha mais paradisíaca pede regulamentação, e que os perigos da convivência urbana estão presentes.  Tanto melhor, porque não se quer uma ilha perfeita, senão um modesto território banhado de água por todos os lados e onde não seja obrigatório salvar o mundo.
                A idéia de fuga tem sido alvo de crítica severa e indiscriminada nos últimos anos, como se fosse ignominioso, por exemplo, fugir de um perigo, de um sofrimento, de uma caceteação.  Como se devesse o homem consumir-se numa fogueira perene, sem carinho para com as partes cândidas ou pueris de si mesmo, que cumpre preservar principalmente em vista de uma possível felicidade coletivista no futuro.  Se se trata de harmonizar o homem com o mundo, , não se vê por que essa harmonia só será obtida através de um extermínio generalizado e de autopunição  dos melhores.  Pois, afinal, o que se recomenda aos homens é apenas isto: “Sejam infelizes, aborreçam o mais possível aos seus semelhantes, recusem-se a qualquer comiseração, façam do ódio um motor político.  Assim, atingirão o amor.” Obtida a esse preço a cidade futura, nela já não haveria o que amar.
                Chega-se a um ponto em que convém fugir menos da malignidade dos homens do que da sua bondade incandescente.  Por bondade abstrata nos tornamos atrozes.  E o pensamento de salvar o mundo é dos que acarretam as mais copiosas – e inúteis – carnificinas.
                Estas reflexões descosidas procuram apenas recordar que há motivos para ir às ilhas, quando menos para não participar de crimes e equívocos mentais generalizados.  São motivos éticos, tão respeitáveis quanto os que impelem à ação o temperamento sôfrego.  A ilha é meditação despojada, renúncia ao desejo de influir e de atrair.  Por ser muitas vezes uma desilusão, paga-se relativamente caro.  Mas todo o peso dos ataques desfechados contra o Robinson moderno, que se alongou das rixas miúdas, significa tão-somente que ele tinha razão em não contribuir para agravá-las.  Em geral, não se pedem companheiros, mas cúmplices.  E este é o risco da convivência ideológica.  Por outro lado, há certo gosto em pensar sozinho.  É ato individual, como nascer e morrer.
                A ilha é, afinal de contas, o refúgio último da liberdade, que em toda parte se busca destruir.  Amemos a ilha.

                             Carlos Drummond de Andrade (In: Passeios na ilha)

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