quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

AH, UM SONETO...

              O soneto, como forma poética, está para mim sintetizado nesse belo título que Álvaro de Campos achou para o seu.  Provavelmente a forma mais praticada de poesia ocidental, o soneto só é rígido em mãos inábeis ou apenas esforçadas em consegui-lo: os grandes poetas fazem com que seu sentido mais profundo de forma fixa se movimente imageticamente em bilhões de combinações rítmicas, fônicas, lexicais e mesmo métricas, que a aparente rigidez formal antes ressalta do que escamoteia quando lemos um grande soneto; e só aparentemente é uma forma breve: os grandes sonetos duram enquanto vivemos e os recordamos e gostamos de percorrer, galgar, escalar seus  versos até nos sentirmos à vontade para flanar por eles. Brevidade não implica ligeireza, superficialidade. 
                Essa junção de enganosa previsibilidade poética e permanente surpresa me leva sempre a dizer, reverberando Campos, “Ah, um soneto...” 
Vou postar aqui, sob essa rubrica, alguns sonetos de minha profunda admiração.  A começar pelo que lhe dá título.

AH, UM SONETO...
Meu coração é um almirante louco
que abandonou a profissão do mar
e que a vai relembrando pouco a pouco
em casa a passear, a passear...

No movimento (eu mesmo me desloco
Nesta cadeira, só de o imaginar)
o mar abandonado fica em foco
nos músculos cansados de parar.

Há saudades nas pernas e nos braços.
Há saudades no cérebro por fora.
Há grandes raivas feitas de cansaços.

Mas – esta é boa! – era do coração
que eu falava... e onde diabo estou eu agora
com almirante em vez de sensação?...
                              
Álvaro de Campos

5 comentários:

  1. Bela postagem, Bozzetti. Segue abaixo, um recente, sujeito a sugestões:

    Quantos, caro Bozzetti, no rascunho
    não restaram, ideia vaga e vã
    consumida no quase deste afã
    que lhe soprara a mente ao próprio punho;

    quantos cujo silêncio é testemunho
    de tudo que exigiu fúria artesã,
    de tudo quanto ardeu febre terçã
    de a forma, enfim, selar com próprio cunho;

    quantos, caro Bozzetti, no esboço
    a moerem os próprios ossos neste ofício,
    ruminando o não-ser de seu caroço;

    quantos não sumirão no desperdício
    do esquecimento, surdo-mudo poço,
    e irreversível fonte desse vício.


    Forte abraço,
    Marcelo Diniz

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  2. Ora, Marcelo,

    e eu lá teria sugestões diante da tua artesania, rapaz! obrigado por me figurar como interlocutor do soneto, eu que se fosse mestre seria apenas de rascunhos.

    grande abraço, colégua a léguas!

    Bozzetti

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  3. Aqui vai o mesmo variado, como sói ao soneto rescrever-se:


    Quantos, caro Bozzetti, no rascunho
    não restaram, ideia vaga e vã
    reduzida aos garranchos deste afã
    que se frustra entre a mente ao próprio punho;

    quantos cujo silêncio é testemunho
    de tudo que exigiu fúria artesã,
    de tudo quanto ardeu febre terçã
    de a forma, enfim, selar com próprio cunho;

    quantos, caro Bozzetti, no esboço
    a moerem os próprios ossos neste ofício,
    ruminando o não-ser de seu caroço;

    quantos não sumirão no desperdício
    do esquecimento, surdo-mudo poço
    e desde sempre fonte deste vício.


    Abraços,
    Marcelo Diniz

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  4. Escrito aqui no range-rede do brejo, vingando-me por não ter o mesmo talento do contendor, mas postando por ser afinal o dono deste blog:


    Acredite, Marcelo, quanto empenho
    me imponho, devotado ao mesmo afã,
    mas de tudo resulta a trama vã
    já que sobra impostura e falta engenho;

    quantos cujo silêncio é testemunho
    de tudo que exigiu fúria artesã
    não ficaram esperando que amanhã
    me curasse das manhas do mumunho;

    quantos, caro Marcelo, no amargo
    ressaibo do que fora doce e agora
    só resulta em derrota e infortúnio

    deixo expostos à luz do plenilúnio
    lá fora, na varanda, se não fora
    amanhã me aplicar a assar um pargo.

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