O soneto, como forma poética, está para mim sintetizado nesse belo título que Álvaro de Campos achou para o seu. Provavelmente a forma mais praticada de poesia ocidental, o soneto só é rígido em mãos inábeis ou apenas esforçadas em consegui-lo: os grandes poetas fazem com que seu sentido mais profundo de forma fixa se movimente imageticamente em bilhões de combinações rítmicas, fônicas, lexicais e mesmo métricas, que a aparente rigidez formal antes ressalta do que escamoteia quando lemos um grande soneto; e só aparentemente é uma forma breve: os grandes sonetos duram enquanto vivemos e os recordamos e gostamos de percorrer, galgar, escalar seus versos até nos sentirmos à vontade para flanar por eles. Brevidade não implica ligeireza, superficialidade.
Essa junção de enganosa previsibilidade poética e permanente surpresa me leva sempre a dizer, reverberando Campos, “Ah, um soneto...”
Vou postar aqui, sob essa rubrica, alguns sonetos de minha profunda admiração. A começar pelo que lhe dá título.
AH, UM SONETO...
Meu coração é um almirante louco
que abandonou a profissão do mar
e que a vai relembrando pouco a pouco
em casa a passear, a passear...
No movimento (eu mesmo me desloco
Nesta cadeira, só de o imaginar)
o mar abandonado fica em foco
nos músculos cansados de parar.
Há saudades nas pernas e nos braços.
Há saudades no cérebro por fora.
Há grandes raivas feitas de cansaços.
Mas – esta é boa! – era do coração
que eu falava... e onde diabo estou eu agora
com almirante em vez de sensação?...
Álvaro de Campos
Bela postagem, Bozzetti. Segue abaixo, um recente, sujeito a sugestões:
ResponderExcluirQuantos, caro Bozzetti, no rascunho
não restaram, ideia vaga e vã
consumida no quase deste afã
que lhe soprara a mente ao próprio punho;
quantos cujo silêncio é testemunho
de tudo que exigiu fúria artesã,
de tudo quanto ardeu febre terçã
de a forma, enfim, selar com próprio cunho;
quantos, caro Bozzetti, no esboço
a moerem os próprios ossos neste ofício,
ruminando o não-ser de seu caroço;
quantos não sumirão no desperdício
do esquecimento, surdo-mudo poço,
e irreversível fonte desse vício.
Forte abraço,
Marcelo Diniz
Ora, Marcelo,
ResponderExcluire eu lá teria sugestões diante da tua artesania, rapaz! obrigado por me figurar como interlocutor do soneto, eu que se fosse mestre seria apenas de rascunhos.
grande abraço, colégua a léguas!
Bozzetti
Aqui vai o mesmo variado, como sói ao soneto rescrever-se:
ResponderExcluirQuantos, caro Bozzetti, no rascunho
não restaram, ideia vaga e vã
reduzida aos garranchos deste afã
que se frustra entre a mente ao próprio punho;
quantos cujo silêncio é testemunho
de tudo que exigiu fúria artesã,
de tudo quanto ardeu febre terçã
de a forma, enfim, selar com próprio cunho;
quantos, caro Bozzetti, no esboço
a moerem os próprios ossos neste ofício,
ruminando o não-ser de seu caroço;
quantos não sumirão no desperdício
do esquecimento, surdo-mudo poço
e desde sempre fonte deste vício.
Abraços,
Marcelo Diniz
Escrito aqui no range-rede do brejo, vingando-me por não ter o mesmo talento do contendor, mas postando por ser afinal o dono deste blog:
ResponderExcluirAcredite, Marcelo, quanto empenho
me imponho, devotado ao mesmo afã,
mas de tudo resulta a trama vã
já que sobra impostura e falta engenho;
quantos cujo silêncio é testemunho
de tudo que exigiu fúria artesã
não ficaram esperando que amanhã
me curasse das manhas do mumunho;
quantos, caro Marcelo, no amargo
ressaibo do que fora doce e agora
só resulta em derrota e infortúnio
deixo expostos à luz do plenilúnio
lá fora, na varanda, se não fora
amanhã me aplicar a assar um pargo.
Touché!
ResponderExcluirMarcelo Diniz