Não é comum que me venham lágrimas ante performances artísticas. Mas é infalível quando está em cena a Velha Guarda da Portela, e assim é desde a primeira vez que a vi em ação nos idos dos 70. Lembro do espanto que senti da primeira vez que me peguei chorando, e lembro também não liguei para o meu espanto. Ainda hoje se for vê-la já sei o que me espera. E com prazer imenso me entrego. Quarenta anos depois de sua criação, por Paulinho da Viola, são outros os integrantes – à exceção, quero crer, de Monarco e Casquinha – e o efeito é o mesmo. Revi em DVD O mistério do samba, o extraordinário documentário que Carolina Jabor e Lula Buarque de Holanda dirigiram sobre essa instituição do samba carioca.
Um trabalho de câmera com um olhar tão amoroso sobre o mundo captado, acho que só me lembro de semelhante no Morango e chocolate de Gutiérrez Alea. Quando o vi, lembro que me emocionei demais com o que a câmera-olho captava da arquitetura colonial da Velha Havana, endossando as lições que o professor dava sobre o sentido do amor pelo lugar de pertencimento – naquele caso, acossado por uma ameaça oficial fundamentada na intolerância. Olho no casario e ouvido nos boleros derramados e proscritos. Tão diferente do olhar estetizante de Wenders sobre a mesma Cuba em Buena Vista Social Clube, isso a despeito da importância e da grandeza de seu filme. Mas aqui, no filme de Carolina e Lula, a beleza emana do zumbido – ouvido e olho – da alma do subúrbio carioca, do zumbido da alma de cada um dos integrantes – presente e passado – da Velha Guarda. São cenas de arrebatadora beleza: o casario de Oswaldo Cruz e suas cores, o interior e o exterior dos botequins, as negras peles vincadas das pastoras e dos velhos mestres, o baú de tesouros de Manacea, a beleza fulgurante de Áurea, sua filha, o canto coral no Portelão, e mais do que tudo, um momento de puro enlevo: a lépida e esguia senhora que, indo à feira ou ao mercado, larga tudo para “perder tempo” num magistral miudinho à porta do bar onde rola o samba – e a seguir, com familiaridade e integração total com aquele mundo, retoma sua marcha, sabendo que, mais do que esta o que vale é o samba; a prosa guarda a irrupção cintilante da poesia, para retomar aqui os termos de Valéry.
Só uma coisa me incomoda em O mistério do samba, mas tem mais a ver com a apresentação do filme, a sua embalagem: não lembro como foi no cinema, mas na capa do DVD vêm em destaque os nomes de Marisa Monte, Paulinho da Viola e Zeca Pagodinho. Nada a objetar, são três presenças de capital importância em tudo o que cerca o filme e enobrecem demais a tela sempre que aparecem. Mas falta o nome de Monarco. Nosso olhar e nosso ouvir de espectadores são guiados por Monarco, hoje mais do que nunca a Voz – e que voz! – da Velha Guarda.
BÔ, tu tem esse filme do Gutiérrez em dvd, ou coisa parecida? rs. Se tiver: me empresta, por favores? rs
ResponderExcluir