Na apresentação deste blog está lá “comes e bebes”... misturado aos outros assuntos sobre os quais fico tagarelando aqui. Inclusive no “Quem sou eu” a maior parte do texto ficou por conta de um soneto do Marcelo Diniz, que generosamente louva sobretudo as minhas qualidades... de cozinheiro. E aí me toquei que o assunto “comes e bebes” ainda não tinha rolado aqui, a não ser que se considere que a “Modesta proposta” de Swift caiba como tal. Mas penso que seria uma piada pesada demais para as pessoas de estômago e coração sensíveis que porventura me leiam. Foi quando eu me lembrei de Caetano Veloso e de Jamie Oliver.
No documentário Coração vagabundo, tem uma hora que Caetano diz: “Eu sou pop em tudo, menos em comida.” Caetano já disse que o prato preferido dele é a baianíssima moqueca de miolo, feita pela sua mãe (lógico que a de Dona Canô eu nunca comi, mas o prato bem feito é uma maravilha; aliás, miolo é delicioso). Pois bem: Jamie Oliver é pop. Até dizer chega. Dizem que está milionário até dizer chega, explorando a imagem do cozinheiro garotão com pinta de roqueiro inglês, em programas de TV ágeis e sabiamente dirigidos. Que bom. Congratulo-me com ele. Daí que eu acho que também sou pop, um pop-pobre. Mas não sei se a cozinha dele é pop. Sei que é criativa, rápida e talentosa. Ouço falar que o pessoal da haute-cuisine torce o nariz e range dentes. É bom. A última preocupação dele parece ser agradar ao pessoal da haute-cuisine. A haute-cuisine, acho eu, que não entendo xongas disso, tem uma base sobretudo francesa, que nos últimos anos vem sofrendo o assédio dos grandes chefs espanhóis. E Jamie Oliver é inglês, o que em culinária e gastronomia depõe contra de saída, mas um inglês transviado que se deixou fascinar pela Itália, cuja cozinha exuberante se defende de francesismos, e que por isso também nunca foi lá muito bem vista pela haute-cuisine.
Mas estou aqui chutando e tergiversando. O que eu quero é postar um texto de Jamie Oliver, que considero muito bom, de seu livro A Itália de Jamie. Tenho total identificação com seu ponto de vista nesse texto (suprimi alguns trechos só por questão de espaço).
Uma observação fundamental: no livro, o texto vem ao lado de uma foto de página inteira, que mostra um velho pastor, no interior de sua casa, ao lado de um cordeiro que acabou de ser abatido. Posto sobre uma mesa, o animal, branco, encontra-se de barriga para cima e sua cabeça está tombada para baixo em direção ao chão, de modo a que o sangue abundante proveniente de sua degola escorra. É a esta imagem – que não posto aqui por não tê-la encontrado disponibilizada na net – que volta e meia Jamie se refere:
“Tenho plena consciência de que a foto da página ao lado é tão artística quanto horrível, por isso vou explicar por que decidi usá-la neste livro e também por que este capítulo inteiro é visualmente impressionante. Essa era uma imagem incrivelmente normal na Itália. Eu queria muito usá-la, pois percebi que quando conversava com os italianos sobre a carne que comiam, eles quase sempre me falavam sobre o ambiente natural em que o animal tinha vivido, o que havia comido durante a vida – frutas, castanhas e ervas adoráveis – e como era tratado. Tudo isso antes de terem abatido os animais ou pensado em cozinhá-los. Parece haver um verdadeiro entendimento, mesmo entre as crianças, de que alguns animais são para alimentação e não considerados domésticos. Eu amo o fato de que o conceito humanitário deles não se preocupa apenas com o momento do abate, mas abarca toda a vida do animal e o seu bem-estar.
Foi importante para mim mostrar isso no livro, porque é uma reflexão honesta do que eu vi na Itália e, também, porque muitas pessoas na Inglaterra podem fechar os olhos para esses aspectos desagradáveis relacionados ao consumo de carne. E, para mim, é aí que está o problema. Como as pessoas, geralmente, não querem ver os animais mortos nem de onde vem a carne que elas comem, as grandes corporações apareceram para resolver o problema – longe dos olhos, longe da mente. Nelas os animais são criados em condições perturbadoras e entupidos de antibióticos (porque as doenças são muito abundantes nos confinamentos em que vivem). E assim, podem lhe oferecer uma coxa, ou um peito de frango produzido em massa, ou ajudá-lo a alimentar suas crianças com uma carne processada, reformulada, remodelada e recondicionada de um modo que a torna irreconhecível. Com um coquetel de aditivos e conservantes, aromatizantes e flavorizantes nos alimentos, não é difícil entender por que a Inglaterra é um dos países menos saudáveis de Europa, e porque a atual geração de crianças é a primeira com expectativa de vida inferior à de seus pais. Chocante, não é?
Na maior parte da sua vida, o pastor da foto ganhou menos dinheiro do que um inglês que vive de doações, mas a carne que ele come é tão boa quanto qualquer coisa servida à realeza. É a relação honesta entre o italiano comum e a terra que o ajuda a fazer a escolha certa em sua alimentação – foi isso que permitiu aos italianos tornar-se o povo de maior expectativa de vida no mundo, depois do Japão e da Islândia.
Como você pode ver, esse é um assunto a que dou muita importância. (...) E depois, se você ainda quiser ser um vegetariano, eu só posso cumprimentá-lo!mas, se você quiser comer uma carne realmente boa, então eu o saúdo para valer! Afinal, estamos no topo da cadeia alimentar. No entanto, pelo amor de Deus, pare de sustentar esses m... que produzem alimentos baratos e sem sabor, mais artificiais do que você possa imaginar. “
Jamie Oliver
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