“Futebol se joga com os pés; a cabeça é pra pensar”. A frase é atribuída a Gerson, o Canhotinha de Ouro, super-craque do meio-campo, a quem muito se deve o tricampeonato no México em 70. Reza a lenda que Gerson, coerente com sua máxima, nunca arriscou a cabeça numa jogada dividida. Mas seus lançamentos enormes e certeiros - lançamento de 40 m. era a toda hora – muitas vezes buscaram com precisão a cabeça de companheiros bem colocados para o arremate final. Se naquela época houvesse a profusão de imagens que a tudo registram o tempo todo, é bem possível que essa lenda de se negar a cabecear fosse desmentida. Afinal, uma vez ou outra, ele deve ter corrido o risco.
Gerson jogou num tempo em que eu acompanhava futebol bem de perto. Adolescência, as coisas se gravam na retina com grande fixidez – e grande dose de invenção também, é claro – e tenho várias imagens em meu acervo de memória dos tempos em que eu ia com alguma freqüência às arquibancadas. E eu tenho uma imagem fixada dele. Quer dizer, fixada em movimento. No movimento da jogada.
Devia ser em 1972. Ou 73? Bem, eu estudava na Escola Técnica, ao lado do Maracanã. E tinha aulas também sábado à tarde. Um sábado, mais insuportável que todos os sábados insuportáveis de aula, pintou a oportunidade de, na linguagem dos inspetores, evadir-me. E rápido evadi-me. Uma aula matada num sábado à tarde era um regalo. E tinha jogo no Maraca. São Paulo contra não sei quem, provavelmente num Rio-São Paulo daqueles. Eu ia mesmo fazer hora, porque depois ia namorar e a namorada morava ali perto. Fui pro Maraca, pouca gente no estádio, o jogo não devia valer nada na tabela. E fez jus à sua desimportância. Estava um porre de jogo.
Até que lá pelo meio do segundo tempo, 0 a 0 renitente e chatérrimo, a bola sobra pra ele, o Canhota, ainda no seu campo de defesa, perto do grande círculo. Como se diz, à feição. Frisson nenhum percorreu o estádio, as arquibancadas vazias. Mas justo pelo silêncio vasto deu pra ouvir que o Canhota gritou um “Vai!”, o braço direito foi pra trás e a perna esquerda mandou a bola a quem era endereçado o imperativo, um ponta-direita que correu lá no bico da grande área adversária a tempo de matar no peito e liquidar a fatura do jogo. Não lembro de mais nada da partida. Acho que terminou em 1 a 1.
Essa imagem em movimento ficou em mim. Em movimento e som. Na visão, o movimento do longo arco percorrido pela bola. No ouvido, o “Vai!” do craque e o “pûc” seco do momento em que a bola foi chutada na precisão do lançamento. Futebol é sinestesia.
Você e o futebol... rs
ResponderExcluirTe acheeeeiiii professor!
Adorei o texto, Roberto! Muita oportuna essa minha leitura no dia seguinte ao que o Fluminense foi campeão! =)
ResponderExcluirAbraço,
Adriana Leitão.
Vocês duas aqui, que bom.
ResponderExcluirLorena, com tantos assuntos, vc achou justamente o que recriminar? eu sei, em Letras não se gosta de futebel quase nunca, mas eu gosto. E vc achou uma maneira de recriminar o professor, não é? Tá certo...
Querida Adriana, que em breve não está mais na equipe, mas de quem levo ótima recordação de competência e seriedade. Sabe, Adriana, não querendo azedar o teu comentário, mas esse jogo do Gerson foi mesmo em 72, ele jogava pelo São Paulo. E tenho quase certeza de que o time adversário era o Fluminense... bom, não fique triste, pra não dizer que não falei do campeão brasileiro postei um parágrafo ótimo do Nelson Rodrigues.
Beijo